Austerlitz

Austerlitz W. G. Sebald




Resenhas - Austerlitz


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Marcos606 18/10/2023

Para dar vida ao Holocausto através de seus personagens Sebald utiliza uma consideração especial dos locais físicos de memória. O narrador relata sobre Austerlitz que ele reinterpretou em mais de uma dezena de complexos objetos ou suas fotos, ao descrever esta estética, que vai além da observação exclusiva da história da arte e integra histórias individuais de sentimentos e sofrimentos, em uma metafísica da história.

Austerlitz ilustra os traços de dor que percorrem a história num processo que coloca as estruturas arquitetônicas no contexto social de sua criação, o comportamento de seus espectadores e usuários predeterminados por seus dimensões e analisam e registram as associações, sentimentos e sonhos associados. Uma história metafísica, que vai além da estrutura espaço-temporal habitual do nosso mundo.
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FelCuesta 18/04/2023

Obra magna do Autor
Austerlitz é a história contada por um narrador, um professor universitário que encontra na imensa estação de metrô da Antuérpia, a Central Station, o personagem que dá título ao romance. A narração e o encontro do narrador com o professor Jacques Austerlitz se inicia no de 1967, porém, ambos continuarão se encontrando por mais de trinta anos, em diversos países da Europa. Já no primeiro encontro entre os dois, Austerlitz apresenta um conhecimento assustador sobre a história da arquitetura e, ao ser perguntado sobre a origem da imensa estação de metrô da Antuérpia, na Bélgica, ele discorre longamente, como na passagem a seguir.


?Lá pelo final do século XIX, assim começou Austerlitz em resposta à minha pergunta sobre as origens da estação de Antuérpia, quando a Bélgica, essa mancha amarelo-cinzenta que mal se vê no mapa-múndi, começou a se alastrar pelo continente africano com suas empresas coloniais, quando nos mercados de capitais e bolsas de matérias-primas de Bruxelas negócios de proporções vertiginosas eram fechados e os cidadãos belgas, tomados de um ilimitado otimismo, acreditavam que seu país, durante tanto tempo subjugado pelo domínio estrangeiro, durante tanto tempo dividido e marcado por desavenças internas, estava prestes a se elevar à condição de nova potência econômica ? naquele tempo, agora já tão remoto embora determine até hoje as nossas vidas, foi desejo pessoal do rei Leopoldo, sob cujo patrocínio se dava tal progresso aparentemente inexorável, empregar as rendas disponíveis em súbita abundância para erigir edifícios públicos que conferissem renome internacional a seu Estado em ascensão?. (p. 13)

Um detalhe fundamental nesse romance é o uso de imagens, fotos e registros feitos muitas vezes pelo próprio Austerlitz, que além de pesquisador da história da arquitetura na era capitalista, era também um amante da fotografia, cujas imagens ilustram abundantemente a narrativa. A maneira como Austerlitz e o próprio narrador se expressam, através da qual se esconde o estilo e a forma de Sebald, apontam semelhanças com o fluxo de consciência do narrador proustiano, formulado a partir da concepção de tempo em Bergson. Tal qual nos romances de Marcel Proust, onde a memória e o tempo possuem uma importância central no desenvolvimento da narrativa, em Sebald, essa relação pode ser percebida na citação abaixo, feita pelo narrador.

A vida pessoal de Jacques Austerlitz, que no primeiro diálogo com o narrador, este percebe seu interlocutor cada vez mais reservado quanto sua origem e seu passado, como numa atitude de esquecimento e recusa voluntária, será justificada pelo fato do professor Jacques Austerlitz não possuir de fato informações precisas sobre sua verdadeira origem. Em determinada passagem, onde Austerlitz fala sobre sua concepção de tempo, essa recusa pelo passado será descrita, como na citação que se segue:

?Eu nunca tive nenhum tipo de relógio, nem um relógio de pêndulo, nem um despertador, nem um relógio de bolso, muito menos um relógio de pulso. Um relógio sempre me pareceu algo ridículo, algo absolutamente mendaz, talvez porque sempre resisti ao poder do tempo em virtude de um impulso interno que eu mesmo nunca entendi, excluindo-me dos chamados acontecimentos atuais, na esperança, como penso hoje, disse Austerlitz, de que o tempo não passasse, não tivesse passado, de que eu pudesse me virar e correr atrás dele? (p. 103-104).

Sabe-se que Austerlitz foi criado no País de Gales por um casal humilde cujo o pai adotivo era pastor. Parte de sua infância foi ao lado dessa família. Mas é somente muitos anos depois, quando Austerlitz já sofria de alguns distúrbios de ansiedade, em parte provocado pelo acúmulo ininterrupto de conhecimento durante décadas, parte pela recusa e bloqueio interno que se impunha a si mesmo sobre sua verdadeira história, que, certo dia, no momento em que visitava um sebo em Londres, Austerlitz ouve pelo rádio, a história de uma mulher que no ano de 1939, quando ainda era uma garota, fora evacuada de Praga juntamente com outras centenas de crianças que seguiram em comboio para Inglaterra. Como na célebre passagem da Madeleine em No caminho de Swan, é no momento em que ouve esse relato pelo rádio, que Austerlitz vai intuir por algum motivo, que a história de sua primeira infância estava vinculada àquelas crianças citadas pela mulher. Decide ir à Praga, onde reencontra Vera, sua antiga babá que logo após reconhecer Austerlitz, ajuda-o tentando montar as peças do quebra cabeça que faltam para compor o quadro de sua história.

O que fica claro e adquire um caráter dramático até o final do romance, são as pistas que vão deixando evidências de que o casal de judeus Maximiliam e Ágata, os verdadeiros pais de Austerlitz, sob a onda fascista que então varria a Europa, não tiveram outra alternativa senão a de embarcar o único filho para Inglaterra. Então Austerlitz adquire vagas lembranças, monta pequenas imagens em flashs, e aos poucos volta a recordar o momento exato em que se despedia de sua mãe e de Vera. Descobre então que Maximiliam, seu pai, era um dirigente do Partido Republicano da Tchecoslováquia e sua mãe, Ágata, uma atriz de teatro. Ao visitar museus, departamentos e arquivos públicos de Praga, Austerlitz que até então se mantinha voluntariamente indiferente à sua origem, descobre através dos documentos históricos, as atrocidades pelas quais passaram as vítimas do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Descobre também que Ágata, cuja foto encontrara em um jornal daquela época, havia sido enviada para o gueto de Theresienstadt onde provavelmente morrera, como centenas de outros judeus operários, industriais, taberneiros, artistas e etc.. Quanto ao seu pai, sabe-se que foi para Paris durante a guerra e não mais deixara rastro. Surge portanto, uma grande melancolia que invade o personagem, ao perceber, após tantos anos, que seus verdadeiros pais haviam sido vítimas da barbárie nazista. E dessa forma, Austerlitz adquire consciência de que a sua história pessoal se confunde com a história recente de uma Europa devastada por guerras e dilacerada por conflitos provocados por interesses imperialistas.
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Valéria Cristina 01/11/2022

Obra-prima
Austerlitz não é uma leitura corriqueira. Com longos parágrafos e sem de marcação de capítulos, a estrutura do livro pode desagradar alguns leitores. As ilustrações que o compõem não interferem na percepção da história.

Estou na maratona de leitura de Em Busca do Tempo Perdido, assim quando iniciei Austerlitz foi em Proust que pensei. O estilo narrativo lembra o fluxo de consciência usado largamente pelo autor francês.

O narrador encontra o professor Jacques Austerlitz em uma estação de trem na Bélgica e, a partir desse encontro seguidos de outros ao longo dos anos, o protagonista lhe conta sua história pessoal e o narrador, por sua, a descreve para os leitores. Para compor sua biografia, Austerlitz percorre décadas e visita lugares desde bibliotecas até campos de concentração.

O tempo dos acontecimentos que compõem a narrativa não é linear e torna-se um elemento importante, requerendo atenção. O medo, o abandono, a solidão, as perdas, o esgotamento mental são alguns dos temas percorridos pelo autor.

O personagem que nomeia o livro é extremamente complexo e a busca por suas origens descortina uma das maiores tragédias humanas: o holocausto e os instrumentos que o viabilizou.

Winfried Georg Maximilian Sebald, mais conhecido como W. G. Sebald, foi um escritor e acadêmico alemão.
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Filipe 28/09/2022

Este livro é uma obra de arte. É um manifesto ao passado, às memórias. Uma evocação ao humanismo e ao desejo de pertencimento.

Por meio de apenas três parágrafos, Sebald situa a jornada de Austerlitz na busca por sua identidade, origem e também por conhecimento. Tudo é construído de forma simples, mas massivamente positiva.

A edição, maravilhosamente elaborada, conta com diversas imagens e fotografias que ajudam a visualizar melhor a história não apenas de Austerlitz, mas de uma Europa mergulhada em guerra e desumanidade.
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Tiago600 24/12/2021

Mesmerizante


Relido. Em minha opinião - e até onde tenho conhecimento -, sem dúvidas é o melhor livro do Século até o presente momento. Escrever sobre Sebald para mim é muito difícil, pois o autor certamente figura entre meus favoritos.
Caso se procure em listas como Guardian, BBC, New Yorker e tantas outras espalhadas mundo afora, o livro estará sempre nas cabeças. Também é de conhecimento geral que James Wood - tido por muitos como o maior "crítico literário vivo" - simplemente venera Sebald. Susan Sontag antes de morrer escreveu um artigo onde se perguntava se ainda havia espaço para grandeza na literatura e a reposta segundo ela era: Sebald. E por aí vai. No entanto não cederei sobre essas afetações na tentativa de legitimar minha visão. Prefiro que minhas impressões falem por mim.

O livro abre com um enigmático autor em um nocturama da Antuérpia, logo, fotos de animais e figuras notívagas são lançadas nas páginas, corujas, lêmures e afins. Nada mais justo, pois à obra em questão falará sobre um período soturno, assim como seus seres e desdobramentos. Em suma memória e as consequências da Guerra sobre os seres humanos. Em visitas por obras arquitetônicas, esse misterioso homem encontra um não menos misterioso homem de nome "Austerlitz" que por sua vez é fascinado por estações de trem e que pouco se recorda de sua infância. Pontuemos. Estações são locais de partidas e chegadas, não obstante, linhas ferroviárias também foram amplamente utilizadas no holocausto para transportar os judeus aos campos de concentração. O livro todo se dará em diálogos entre ambos. Parece simples, no entanto o que Sebald faz nas páginas é monstruoso.
O misterioso homem que narra, diz que a personagem do livro denominado "Austerlitz", se parece muito com o filósofo austríaco Wittgenstein, chegando as vias de colar uma imagem do olhar do dito filósofo nas páginas iniciais. É quase um consenso que Wittgenstein talvez tenha sido o filósofo mais importante do Século 20, visto que revolucionou o campo da linguagem. O que nem todos sabem por exemplo, é que Wittgenstein estudou na mesma escola que Hitler. Numa simples pesquisa do Google, encontramos facilmente ambas crianças enfileiradas naquelas típicas fotos escolares. Importante dizer que Wittgenstein nunca se filiou ao nazismo e aparentemente nunca desenvolveu uma amizade com um jovem Hitler na adolescência, apenas estudaram juntos na infância por esses acasos do destino. Ótimo que seja assim, seria um pecado tamanho gênio se misturar enquanto ideia ao mais insignificante monstro. Ainda assim, esse simples detalhe de semelhança conta muito na narrativa labiríntica sebaldiana, pois seu brilhantismo se dá no implícito e no não dito.

Pensemos um pouco sobre o nome Austerlitz. Austerlitz é um uma região localizada na República Checa, palco de uma das mais sangrentas batalhas de Napoleão. Em determinado momento do livro, temos uma famosa passagem composta de 6 páginas sem parágrafos onde o narrador fica repetindo ao melhor estilo bernhardiano o seguinte: "então Austerlitz disse". Isso é como se um campo de batalha situado num espaço/tempo ganhasse vida e falasse. Imagine alguém chamado "Rio de Janeiro" nos falando algo e depois fossemos incubidos de transmitir o dito e não dito para um outrem, logo diríamos: "Quem disse isso foi Rio de Janeiro. Escutei isso da boca de Rio de Janeiro". "É Rio de Janeiro que pensa assim."

Para além dessa quimera de jogos e nomes, Austerlitz rima com um outro emblemático local que o autor jamais mencionará em nenhuma linha sequer ao longo de toda narrativa e que no entanto será fundamental (enquanto presença) o livro todo: Auschwitz!

Sebald faz colagens em todos seus livros, segundo o autor, fotos são uma prisão de fantasmas eternizados em algum local. Olhamos para as fotos de pessoas que já se foram, elas nos olham de volta, em alguns casos, são registros de seres que viveram antes mesmo que existíssimos. Gelo na espinha. Em certos momentos em Austerlitz as fotos tomam o local da escrita e de certa forma narram o que o autor almeja dizer, em momentos especiais assumindo mesmo o caráter de um palíndromo imagético. Some tudo isso ao conhecimento enciclopédico de Sebald, seja sobre botânica, poesia, biologia, literatura e o resultado final beira o sagrado. É como se o autor tivesse inventado uma outra forma de narrar que se encaixe em todas prateleiras possíveis, biografia, conto, romance e etc. Preciso reler "Os Anéis de Saturno" para me decidir sobre meu favorito do escritor.

Enfim, através da escrita como restituição, versando sobre memória, tempo, morte e traumas, Sebald acaba melancolicamente comprovando que em certo sentindo e em alguma instância específica, somos todos vítimas da história.

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Icaro 12/07/2021

Uma narrativa da memória
Não consigo explicar em palavras a narrativa de Sebald. Ainda bem que ele mesmo reconhece os limites da linguagem na representação do real.
Uma história de um sujeito em busca de seu passado, atravessada por traumas, pelo nazismo, por desaparecimentos e por lacunas.
O livro é um mergulho no passado em forma de memória. Sebald é único.
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Polly S 29/11/2020

?A escurida?o na?o se dissipa, mas se adensa enquanto penso como e? pouco o que logramos conservar na memo?ria, como tudo cai constantemente no esquecimento com cada vida que se extingue, como o mundo, por assim dizer, se esvazia por si mesmo, na medida em que as histo?rias ligadas a inu?meros lugares e objetos por si so? incapazes de recordac?a?o na?o sa?o ouvidas, na?o sa?o anotadas nem transmitidas por ningue?m?

Austerlitz: o livro que veio a se tornar uma das melhores pec?as de arte e literatura que li na minha vida. Ja? na?o sou mais a mesma.
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Higor 17/10/2020

'20 melhores livros do século 21': Livro 14
A falta de escritores não estadunidenses incomoda em uma lista tão significativa como esta 'Melhores Livros do Século XXI', pois mostra o quão limitada é ao escolher nenhum autor oriental em um mundo que conhece, cultua e aclama Haruki Murakami, por exemplo, além de, claro, não se esforçar em conhecer autores importantes de outras língua que, sem dificuldades, romperam barreiras políticas, sociais e literárias e com certeza mereciam aparecer nesta lista.

W. G. Sebald é o único alemão a aparecer na lista, com o seu potente e, sinceramente, merecedor de uma posição mais alta que a 14ª, 'Austerlitz'. Se a falta de reconhecimento grita na lista, ao menos é gratificante ver, depois de uma australiana, um chileno e uma italiana, uns com livros questionáveis, uma escolha tão certeira que todo leitor deveria ao menos se propor a conhecer, tamanha a importância e bagagem do livro.

'Austerlitz' possui tantas camadas, uma mais interessante que a outra, em determinado momento paralelas, mas que se fundem e não se corrompem, ou fazem com que o livro fique confuso ou perca sua essência. Nem mesmo os temores que o livro possui (apenas 4 parágrafos nas mais de 280 páginas ou uma frase que permeia incríveis 7 páginas) e que assustam leitores pouco exigentes ou receosos estão ou foram montados aleatoriamente. A leitura se torna tão fluida e prazerosa, que se tratam de meros detalhes a serem encarados sem maiores alardes.

O narrador de 'Austerlitz', que não sabemos quem se trata exatamente, viaja com frequência à Bélgica na década de 60, por motivos profissionais e até mesmo que o próprio não sabe dizer, quando, sentado na Estação Ferroviária Central de Antuérpia, conhece o jovem Jacques Austerlitz. O que chama a atenção do narrador é que Austerlitz não possui traços de apatia, cansaço ou outros sinais de um viajante enfadado, mas o mesmo não parava de encarar as paredes da estação e escrever e desenhar com ferocidade. A partir de uma conversa, nasce a amizade entre os dois, com alguns hiatos de tempo, mas que sempre são riquíssimas, não importa quanto tempo tenham ficado sem se falar.

Depois de mais de vinte anos de amizade e conversas sobre tudo o que se possa pensar, desde arquitetura, guerras, fortificações, fotografias, estudos, em que o mesmo sabe pouco ou nada sobre a vida privada de Austerlitz, o próprio, em um encontro, decide contar a história de sua vida, ou a vida que, por quinze anos achou ser sua, até que se deparou com a missão de peregrina-la e tentar, enfim, descobrir quem de fato é.

É então através de um monólogo sem-fim, mas muito bem escrito e que o leitor não quer que acabe, que sabemos que Austerlitz é um professor de História da Arquitetura que chegou à Grã-Bretanha com pouco menos de 5 anos, fugido de um comboio judeu da Tchecoslováquia, onde todos os vestígios de sua vida anterior foram apagados. Adotado por um pastor calvinista e sua esposa, e a verdade vêm à tona quando ambos falecem, e então parte em busca de resposta, a começar das mais simples, que é a origem do seu nome Austerlitz, até sobre o paradeiro da mãe e do pai.

Há muitos anos eu não lia um livro tão impactante quanto 'Austerlitz'. Em parte por eu ser estudante de arquitetura e estar familiarizado ou ter interesse em história da arquitetura, o que foi um prato cheio pra mim, com muitas marcações de post-its, mas principalmente por falar de um jeito tão diferente, sincero e doloroso sobre a Segunda Guerra Mundial.

O personagem principal, sua aversão automática a falar ou visitar a Alemanha, assim como suas pesquisas sobre o passado, que o levam, e a nós também, leitores, a bibliotecas mofadas, campos de concentrações preservados, fortalezas e estações ferroviárias, mostram uma Europa pouco conhecida, mas muito bem guiada neste livro. Guiada, aliás, não importa o país onde ambos estão, ou Austerlitz foi e comenta com maestria os mais ínfimos detalhes: Holanda, França, Bélgica, Inglaterra.

Com certeza uma das melhores do ano, quiçá da vida, este livro merece a honraria alcançada, mas ainda precisa ser mais propagado, conhecido e lido, pois em suas páginas há mais riqueza, conteúdo e reflexões que muitos livros mais contemporâneos, até mesmo de história, que se perdem em um vazio ou monotonia que não agregam em nada.

Doloroso sem ser apelativo ou piegas, 'Austerlitz' fala sobre um assunto comentado à exaustão, e quase sempre de maneira a arrancar lágrimas de leitores mais frágeis. Uma verdadeira aula não somente de História da Arquitetura, mas História Europeia, merece muitas releituras, diante da dimensão de conteúdo que possui.

''20 melhores livros do século 21' é uma lista encomendada pelo site de cultura da BBC, em que diferentes especialistas foram responsáveis por eleger os melhores livros do mais recente século. Conheça os demais livros, todos já resenhados:

15. A amiga genial, Elena Ferrante.
16. A linha da beleza, Alan Hollinghurst.
17. A estrada, Cormac McCarthy.
18. NW, de Zadie Smith.
19. 2666, Roberto Bolaño.
20. O grande incêndio, Shirley Hazzard.

site: leiturasedesafios.blogspot.com
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jota 29/09/2014

OMG
Se ler Austerlitz não é muito fácil, da mesma forma torna-se complicado resenhá-lo. Fica mais fácil ver o que o Times escreveu sobre Sebald: [abre aspas] Sua narrativa sobre a odisseia de um homem durante os anos negros da história europeia é uma das mais comoventes e verdadeiras do pós-guerra. Sebald é o Joyce do século XXI. [fecha aspas]

Digamos pois que Austerlitz e Ulisses sejam narrativas aparentadas e que a literatura de Sebald e Joyce tem mais em comum do que supõe nossa vã filosofia de leitores. A minha, pelo menos: você entende tudo o que está escrito em cada (longa) frase embora às vezes não consiga apreender o significado pleno de cada qual. É mais ou menos por aí

Mas no fundo bem profundo, o livro de Sebald é, como diz o escritor John Banville (de O Mar e Luz Antiga), [abre aspas] Uma reflexão extraordinária sobre o tempo e a perda. Um jeito novo de escrever, que combina ficção, memória, relato de viagem, filosofia e muito mais. [fecha aspas] Coloque muito mais nisso...

Há inúmeras fotografias espalhadas pelo livro, nenhuma com legenda, nenhuma muito clara, e que podem ou não ter relação com as histórias que Austerlitz conta, embora ele não seja o narrador, e este a toda hora diz: [abre aspas] disse Austerlitz. [fecha aspas] Entendeu? Mas não são apenas as fotos; Austerlitz é um livro diferente; talvez fosse melhor dizer estranho, pois ele vai além daquilo que comumente chamamos ficção. E já a partir da capa enigmática.

E que depois prossegue por longuíssimos parágrafos (apenas três ou quatro em cerca de duzentas e oitenta páginas) habitados por frases longas que elencam, entre muitas coisas (não me lembro de todas, claro) moradias, hotéis, fortificações, palácios, estações ferroviárias, campos de concentração, monumentos e até mesmo banheiros públicos. E, repetindo Banville, muito mais coisas ainda.

Foi meu primeiro Sebald. Tenho outro livro dele na fila de leitura, Os Anéis de Saturno. Mas vou demorar um pouco pra ler, pois essa viagem ouvindo (lendo) tudo o que Austerlitz disse me deixou um pouco fora de órbita.

Lido entre 11 e 29/09/2014.
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Aguinaldo 18/10/2011

austerlitz
Foi Fernando Landgraf quem apresentou-me "Austerlitz". Ele, mais corajoso que eu, chegou quase ao final do livro e reencetou a leitura, tamanho era seu encantamento. Depois ele escreveu aos amigos recomendando-o, e eu, curioso como sempre, resolvi conhecer Sebald afinal. Se é para fazer comparações espúrias acho que "Os anéis de Saturno" é mais poderoso, talvez por ser mais racional, mais ancorado na tentativa humana de classificar as cousas da vida, mas isso é, claro, totalmente irrelevante, apenas uma impressão e ok, eu sei que essa tentativa é vã e tola. Em "Austerlitz" o narrador de Sebald, como sempre enigmático, amorfo e ambíguo, encontra, já no final dos anos 1960, um sujeito chamado Austerlitz em uma grande estação de trens de Antuérpia. Ambos partilham de curiosidade intelectual com aspectos arquitetônicos e históricos do lugar. A afinidade é sutil, mas imediata e definitiva. Após essa primeira vez Austerlitz e o narrador voltarão a se encontrar somente após quase três décadas. A partir desse reencontro eles manterão contato frequente, algumas vezes por acaso, noutras por conta da vontade explícita de um dos dois. O longo monólogo de Austerlitz, que é a história que está sendo narrada, segue como um mantra pelo romance. Os encontros tem um formato curioso, como se o narrador fosse um psicólogo ou analista que ouve seu paciente sem julgá-lo, em reiteradas sessões clínicas. Austerlitz ora confessa coisas, ora pratica uma espécie de auto-análise, exercitando sua memória, narrando sua vida e suas obsessões. Na verdade Austerlitz passa por uma metamorfose na narrativa. No início do livro ele é calado, objetivo e professoral. Mas nos encontros posteriores com o narrador passa a praticar uma quase-verborragia, um misto de memorialista de si mesmo, de detetive de sua biografia. A influência de Proust e a idéia de memória involuntária sobre os homens é perene nesse livro. Mas Sebald não parece tão seguro como Proust em afirmar que a memória voluntária não tem valor. Sebald se distingue nas descrições dos hábitos e procedimentos que homens e mulheres praticam na vida cotidiana, nas suas relações mundanas. Ele apresenta lentamente a evolução e transformação de seu personagem, sem sobressaltos. Os colapsos que pontualmente afetam Austerlitz (e que no fundo o fazem recuperar seu passado enterrado) são como as epifanias proustianas (o guardanapo engomado, o martelar nas rodas do trem, o calçamento irregular das pedras de Veneza, o sabor da madeleine embebida no chá de tília, a visão oblíqua das agulhas das torres dos campanários de Martinville). Mas se no caso de Proust o que emerge é um entedimento pleno de como opera a vida, no que há de belo e sublime nela, mas também no que há de grotesco e anacrônico, Sebald faz com que seu personagem saia à tona carregando o fardo das misérias de seu tempo, tornando-o um arauto das atrocidades da segunda grande guerra, dos procedimentos utilizados para o encarceramento e a morte de milhões de indivíduos. Se é que me lembro bem Fernando chamou de "camadas de carma" o que se vê na arquitetura da estação central de trens de Antuérpia. Talvez sejam de fato essas camadas (e não os aspectos técnicos) os reais atratores do olhar de Austerlitz e do narrador. E, da mesma forma, não é conhecimento dos detalhes de como operou a máquina de guerra nazista que melhor explica o destino de cada um dos muitos que foram afetados por ela. Como bem observa Austerlitz ao descrever a moderna biblioteca nacional francesa (uma construção bizarra que praticamente impede o contato entre livros e leitores), existe uma arquitetura na destruição. Entendo o Fernando e seu desejo de continar a leitura por mais tempo, "Austerlitz" é mesmo um livro impactante, mas o velho Guina vai serguir por outros caminhos. [início 04/10/2011 - fim 08/10/2011]
"Austerlitz", W.G. Sebald, tradução de José Marcos Macedo, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2008), brochura 14x21 cm, 287 págs. ISBN: 978-85-359-1201-2 [edição original: Austerlitz (Carl Hanser Verlag, München/Deutschland), 2001]
Ronnie K. 11/01/2012minha estante
Uma resenha altamente positiva e elogiosa. Só não entendi a "escassez" de estrelinhas na hora de cotá-lo! Pelo que você mesmo diz, acho que merecia cotação máxima. Acho que você é altamente seduzido por Sebald mas tem receio de admitir, só pode ser isso.




Nayara 09/05/2011

Foi difícil fazer a leitura engrenar. Frases muito longas, às vezes ultrapassando a página, e um livro que podemos dizer que é feito sem parágrafos. Com o tempo, porém, acabei me acostumando à leitura e nem achava mais estranho o tanto de "disse Fulano, disse Austerlitz" que apareciam na narrativa. É interessante como Austerlitz foi investigando sua vida passada, fazendo alusões a monumentos arquitetônicos, teatos, cemitérios e partes de animais conservadas para estudos veterinários, por exemplo.
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