The Ancestor

The Ancestor's Tale Richard Dawkins




Resenhas - The Ancestor's Tale


3 encontrados | exibindo 1 a 3


Antonio Luiz 24/03/2010

A grande família
Todos já ouviram dizer que o homem e o macaco são parentes próximos, quer gostem da idéia, quer não. Mas até entre aqueles que a aceitaram haverá quem se surpreenda ao serem lembrados que tambêm têm parentesco, mais ou menos distante, com o tatu, o ornitorrinco, o pavão, a lampreia, o gafanhoto, a esponja, os fungos, as plantas e até as mais nocivas das bactérias.

Em "Ancestor’s Tale" ("A Fábula do Ancestral"), o zoólogo britânico Richard Dawkins expõe ao leigo o estado da arte na pesquisa da árvore genealógica da humanidade, que vai muito além do velho clichê dos macacos ficando pouco a pouco mais eretos. Seus direitos para o Brasil foram adquiridos pela Companhia das Letras, mas esta não o publicou.

Para a satisfação do leitor mais interessado em ciência, nesta obra o conhecido popularizador do darwinismo deixa em segundo plano suas costumeiras rabugices contra criacionistas, religiosos, poetas confusos e seu falecido rival Stephen Jay Gould, salvo uma ou outra cutucada incontida.

São inúmeros fatos surpreendentes sobre os seres vivos mais estranhos do que se possa imaginar, organizadas como uma peregrinação das espécies vivas – à maneira dos "Contos de Canterbury" de Chaucer – às suas origens. Dawkins esmera-se em explicar os métodos usados para se chegar às atuais explicações desses fatos e dar uma noção adequada de como a ciência é de fato construída.

O prazer de examinar as árvores está reservado aqueles que se embrenharem nessas quase 700 páginas, mas vale a pena dar uma idéia da floresta. Ao contrário da maioria das obras do gênero, não parte do início dos tempos, mas recua a partir do presente para mostrar a fraternidade de todos os seres vivos deste planeta.

Relativamente pouca atenção é dada aos fósseis: não são tão indispensáveis para demonstrar as linhas gerais da história da vida, insiste o autor. A chave do empreendimento é o relógio molecular do DNA. Dado o ritmo das mutações a que está sujeito, o grau de semelhança entre os códigos genéticos de dois seres vivos indica aproximadamente seu grau de parentesco e de quando viveu seu ancestral comum, mesmo que este (ainda) não tenha sido encontrado como fóssil.

As datas radiométricas dos fósseis são necessárias para calibrar o “relógio”, pois as taxas de mutação variam um pouco entre diferentes grupos de seres vivos. Muitas ressalvas tornam-se necessárias ao se chegar aos ancestrais pré-cambrianos (de há mais de 543 milhões de anos), para os quais essa calibragem não é possível. Ainda assim, as grandes bifurcações da árvore da vida são claras.

Cada um de nós tem dois pais, quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós e assim por diante. A seguir essa progressão geométrica, teríamos mais de 500 milhões de 28-avós – um número maior que o da população da Terra há 29 gerações, meros 800 anos.

Qualquer um que tenha vivido em meados da Idade Média – como, digamos, o rei Afonso Henriques, fundador de Portugal – poderia ser o ancestral comum de toda a humanidade?

Não: como mostraram os estatísticos Douglas Rhode, Steve Olson e Joseph Chang na Nature de setembro de 2004, a partir de certo ponto o número de ancestrais não chega a dobrar a cada geração. As pessoas tendem a se relacionar dentro de uma área limitada, com parceiros com os quais geralmente já têm certo parentesco. Ainda assim, um ancestral comum a todos os seres humanos hoje vivos poderia matematicamente ter vivido há menos de cem gerações – em algum momento entre 1415 a.C. (a época do faraó Akhnaton) e 55 d.C. (o tempo de Nero).

Dawkins prefere ser conservador: recua a data para 30 mil a.C., ao considerar que algumas linhagens humanas podem ter ficado isoladas nos confins da Oceania e das Américas, sem misturar seus genes à massa do Velho Mundo por milênios. Em outras palavras, a vasta maioria dos seres humanos são primos em até centésimo grau, mas pode haver algumas tribos isoladas que cheguem ao milésimo.

Certamente, a espécie humana existe há muito mais tempo. Aplicado ao DNA das mitocôndrias que existem em toda célula humana e são transmitidas pela linha materna, o relógio molecular indica que a ancestral comum das linhagens femininas hoje existentes – a famosa “Eva mitocondrial” – teria vivido há 140 mil anos. Não teria sido, bem entendido, a primeira representante do Homo sapiens, mas a última cujos genes mitocondriais sobreviveram para se espalhar por toda a descendência. Ossos etíopes que sem dúvida pertence à nossa espécie foram datados de 195 mil anos pela revista Nature de fevereiro.

Sem chover no molhado, vamos rebobinar rapidamente o filme sem entrar em detalhes sobre os tantos fósseis já encontrados que a imprensa insiste em chamar de “elos perdidos”: Homo erectus, Homo habilis, os vários Australopithecus... Somos parentes do chimpanzé, certo, mas em que grau?

Surpreendentemente próximo. Por muito tempo, as diferenças aparentes levaram os paleontólogos a supor que o ancestral comum dos homens e dos chimpanzés havia vivido há 20 milhões de anos. Mas a comparação dos DNAs mostra que as duas espécies compartilham 99,4% dos genes críticos (que codificam proteínas) e 98,4% do chamado “DNA lixo”, sem função aparente. Isto indica que nosso ancestral comum viveu há apenas 6 milhões de anos, cerca de 250 mil gerações.

Morris Goodman, responsável pela análise, relatada na New Scientist de maio de 2003, conclui que os chimpanzés estão geneticamente tão próximos de nós que suas duas espécies bem poderiam ser reclassificadas como Homo troglodytes e Homo paniscus. Essa é uma questão de convenção zoológica: o dado objetivo é que o Cheeta que co-estrelou tantos filmes com Johnny Weissmuller e Rex Harrison – antes de gozar uma longa e merecida aposentadoria em Palm Springs e sobreviver a ambos – é um peludo primo de ducentésimo quinquagésimo milésimo grau de cada um de nós.

Um primo-irmão, pode-se dizer, se comparado à maioria dos seres vivos. Inspirando-nos nele para subir a árvore genealógica com mais agilidade, descobrimos que seu primo mais taludo, aquele com o qual Fay Wray teve um famoso affair no alto do Empire State, é pouca coisa mais afastado – tricentésimo milésimo grau. Já os orangotangos estão quase três vezes mais distantes, os gibões quatro vezes e os demais macacos do Velho Mundo, seis vezes mais.

Os macacos das matas brasileiras estão mais afastados: o mico-leão dourado, mascote oficial do ambientalismo brasileiro, compartilha conosco ancestrais que viveram há 40 milhões de anos e três milhões de gerações. Como toda a infra-ordem dos macacos do Novo Mundo, descende de uma população muito pequena – talvez uma única fêmea grávida – que, agarrada a fragmentos de mangue arrastados por uma tempestade, atravessou epicamente um Atlântico menos largo que hoje e descobriu o Brasil mais de 25 milhões de anos antes de Cabral (idade dos mais antigos fósseis de primatas da América do Sul).

Por muito tempo, os paleontólogos acreditaram que a maioria das ordens de mamíferos haviam se diferenciado após o fim da era dos dinossauros. O relógio molecular lhes fez outra surpresa: sua ancestralidade é mais antiga e seu parentesco conosco algo mais distante do que se imaginava.

Depois dos primatas e alguns animais vagamente associados a eles, como os estranhos colugos, os mamíferos mais próximos de nós são, surpreendentemente, os roedores e os coelhos. Um ancestral de Mickey e Pernalonga, assim como das nossas pacas e capivaras, foi também o nosso 15.000.000-avô, que corria entre as pernas de tiranossauros há 75 milhões de anos.

Dumbo, Zé Colmeia, Drácula, Flipper e as antas nossas de cada dia têm um parentesco mais distante: esse grande grupo, o dos laurasiatérios se entronca com o nosso 25.000.000-avô há 85 milhões de anos. Tatus, preguiça e demais desdentados, há 95 milhões de anos. Os afrotérios, que incluem elefantes, peixes-bois e outros bichos menos cotados, há 105 milhões de anos.

Mas não pense no seu 25.000.000-avô como um ursinho ou na 45.000.000-avó como uma elefantinha: ambos se pareciam com musaranhos. Foram encontrados fósseis de mamíferos de até 195 milhões de anos para respaldar o relógio molecular, mas apesar deste garantir que os principais clãs já estavam formados, sua aparência externa ainda era muito semelhante. O mesmo se pode dizer do nosso ancestral comum com os cangurus, gambás e demais marsupiais, de há 140 milhões de anos e com os ornitorrincos, de há 180 milhões de anos.

O próximo entroncamento foi há 310 milhões de anos, muito antes dos dinossauros. Nosso 170.000.000-avô parecia-se com um calango e dele descenderam também todas as aves e todos os répteis, da serpente do Éden à pomba da paz. Trinta milhões de anos antes, está o entroncamento com as rãs e demais anfíbios, um antepassado semelhante a uma salamandra.

O Eusthenopteron, um peixe fóssil de há 410 milhões de anos, capaz de respirar e arrastar-se fora d’água, pode ter sido nosso ancestral direto, mas nossos parentes mais próximos entre os peixes ainda vivos são os pulmonados, como a pirambóia do Amazonas, que se separaram de nossa linhagem sete milhões de anos antes – pouco depois dos famosos celacantos.

Já os peixes que povoam a maioria dos nossos aquários e moquecas descendem de nossa 195.000.000-avó, que nadou há 440 milhões de anos em algum esquecido rio do período siluriano. Tubarões, cações e arraias descendem de um 200.000.000-avô que predou os mares do período ordoviciano e nosso ancestral comum com as lampreias viveu há nada menos de 530 milhões de anos, no período cambriano.

Neste ponto, chega-se a um paradoxo ainda não resolvido. O registro fóssil indica que a maioria dos filos (grandes grupos) de animais e plantas evoluiu subitamente no período cambriano, ou pouco antes – a chamada “explosão cambriana”. O relógio molecular sugere, porém, que eles se formaram aos poucos e muito antes.

Dawkins,– ao contrário, por exemplo, de Stephen Jay Gould – vê com ceticismo a idéia de uma súbita mudança de marcha da evolução. Fica com o DNA e a ortodoxia neodarwinista e assume que os ancestrais multicelulares mais distantes, por serem muito pequenos e invertebrados, não deixaram fósseis – ou que estes ainda não foram descobertos. A explosão cambriana, como a “explosão” dos mamíferos no início da era terciária, seria em grande parte uma ilusão.

Os entroncamentos com os anfioxos e os tunicados, parentes primitivos dos vertebrados, ficam assim relegados ao pré-cambriano. Idem quanto ao 280.000.000-avô – um ser cuja forma provavelmente lembraria a de um minúsculo girino – que teria dado origem não só a todos os ramos já mencionados, como também às estrelas, ouriços e pepinos do mar.

Uma homenagem especial é devida à nossa 300.000.000-avó (ou avô), que teria vivido há 590 milhões de anos. Esse vermezinho do fundo do mar, talvez hermafrodita, teve uma progênie de dar inveja a Abraão ou Genghis Khan: a esmagadora maioria das espécies vivas que conhecemos, incluindo não só nós e os demais vertebrados, como também as minhocas, os caramujos, os polvos, as conchas, os crustáceos, as aranhas, as centopéias e, sobretudo, os insetos – que, sozinhos, contam estimadas 30 milhões de espécies.

Por distante que seja o nosso parentesco com, digamos, as mosquinhas que se juntam sobre bananas maduras, o DNA o registra com clareza. Do conjunto de genes chamados homeobox, críticos para o desenvolvimento embriológico de todos os animais segmentados, 70% são idênticos na mosca das frutas e no homem e demais mamíferos. Um gene para formação do olho do camundongo, inserido transgenicamente no DNA de um ovo de mosca, gera uma mosca com um olho extra no lugar errado.

A partir deste ponto, estimar números de gerações torna-se fútil, pois falamos de ancestrais de vida presumivelmente muito curta. Dawkins arrisca 700 milhões de anos para o ponto de convergência da nossa linhagem com a dos cnidários (águas-vivas e anêmonas-do-mar) e 800 milhões de anos para com a das esponjas – nossas parentes mais distantes entre os animais verdadeiros. Mas é claro que o mundo não começou com o longínquo antepassado que partilhamos com Bob Esponja.

Para quem perdeu as revoluções da taxonomia nas últimas décadas, vale esclarecer neste ponto que a tradicional dicotomia dos seres vivos entre animais e vegetais foi abandonada há muito tempo. Mesmo a tentativa posterior de reagrupá-los em cinco reinos – animais, fungos, plantas, protistas (células complexas) e môneras (células simples) – já caducou. Os biólogos tendem agora a reconhecer dezenas de reinos na natureza, agrupados em três vastíssimos “domínios” – Eukarya (multicelulares e protistas), Eubacteria (as bactérias mais comuns) e Archaea (um grupo peculiar de môneras, afeita às altas temperaturas de fontes quentes).

As primeiras esponjas surgiram do agrupamento de seres unicelulares que também originaram os protozoários conhecidos como coanoflagelados, há talvez 900 milhões de anos – e daí para trás, é preciso pensar em nossos ancestrais como micróbios. Um destes, a cerca de um bilhão de anos, deu origem também aos rinosporídios, parasitas notados por provocar pólipos nasais. Há talvez 1,1 bilhão de anos, viveu um protozoário que deu origem tanto a nós quanto aos fungos. Outro, há 1,2 bilhão de anos, é o nosso entroncamento com a ameba – que, ao contrário do que pensaram alguns dos primeiros evolucionistas, está longe de ser o mais primitivo dos seres vivos e a confluência com as plantas, os sargaços e com outros grupos de protistas (diatomáceas, tripanossomas etc.) é ainda mais antiga.

Nós, como todos eles, descendemos de um ancestral cujo nascimento marcou o início da era proterozóica e foi um dos momentos mais decisivos da história da vida. Uma archaea, infectada por uma eubacteria filiada a um reino do qual também descendem as temíveis bactérias do tifo, acomodou-se com o parasita e deu origem a uma parceria de grande futuro.

Era a primeira célula a combinar um núcleo bem formado (descendente da archaea) com as organelas geradoras de energia que chamamos de mitocôndrias (descendentes da eubacteria) – ou seja, foi a primeira eukarya. Cada um de nós é uma grande colônia de células eucariotas, incluindo as mitocôndrias simbiontes que ainda têm seu próprio código genético, independente do DNA do núcleo.

Algumas linhagens descendentes desse casamento, que já dura mais de dois bilhões de anos, assimilaram outro tipo de simbionte em um igualmente bem-sucedido ménage à trois: as cianobactérias, capazes de realizar fotossíntese e cujos descendentes são os cloroplastos das células vegetais.

Ainda não é o início de tudo. Tanto as archaea quanto as eubacteria originam-se de seres ainda mais primitivos, de há mais de três bilhões de anos, possivelmente moléculas simples de RNA (precursor do DNA) que começaram a se reproduzir e sofrer mutações a partir de materiais orgânicos já existentes. O local do nascimento desse ancestral do qual a vida na Terra é uma longa biografia, propõe Dawkins, foram fendas nas rochas escaldantes das profundezas da crosta terrestre – a Canterbury buscada pelo vasto cortejo de peregrinos reunidos pelo biólogo.
Julião 06/03/2014minha estante
A Cia. das Letras o publicou, em 2009, mas com outro título: "A grande história da Evolução".




Wolf 29/12/2013

A história bem contada.
Gostaria de entender os conceitos básicos da evolução?
Gostaria de se aprofundar no assunto?
Não acharia estranho acompanhar a evolução de trás para frente?
Então este livro vai te encantar.
comentários(0)comente



Fimbrethil Call 27/04/2014

Maravilhoso
Realmente sensacional, livro que leva a uma peregrinação através da história para "encontros", com os ancestraia, livro lindo, cheio de exemplos, e histórias tristes. Confesso que chorei com a história da extinção do dodo.
comentários(0)comente



3 encontrados | exibindo 1 a 3