Coruja 09/02/2017Perto do início do ano passado, a Fernanda, também conhecida como dona Traça, lá do The Bookworm Scientist, anunciou que estava organizando uma antologia de contos de fantasia na qual as histórias seriam escritas e protagonizadas por mulheres. O livro foi batizado de Valquírias, em referência às deusas da mitologia nórdica, responsáveis por levar os guerreiros tombados em batalha para o Valhalla, onde aguardariam a grande batalha no dia do Ragnarok. Aí que decidi participar com uma história e acabei tendo um conto selecionado.
Após muito trabalho, muitas revisões e um longo trabalho de edição, agora em janeiro o livro foi publicado. O evento de lançamento oficial foi dia 05 de fevereiro, e era para ter publicado essa resenha na ocasião, mas acabei me atrapalhando um pouco com os prazos e só agora consegui me sentar para escrever.
Há um preconceito com autoras mulheres, a sugestão de que elas só sabem escrever romance água com açúcar. E, se por um lado, não há nada de errado sobre romances água com açúcar, por outro, esse tipo de limitação é bem ridículo. Como bem dizem por aí, lugar de mulher é onde ela quiser, incluindo aí escrevendo fantasia. E antes que digam qualquer coisa sobre essa noção estar ultrapassada, é bom lembrar que a mais bem paga autora do gênero (talvez de toda literatura), assinou seus livros apenas com suas iniciais justamente para que ninguém decidisse passar direto pela prateleira ao ver um nome feminino na lombada.
Sim, estou falando de J. K. Rowling.
Dar voz às mulheres, como muito bem observa Aline Valek no prefácio de Valquírias faz parte de um contexto maior, não apenas na Literatura, mas na própria História - o que, aliás, é abordado em vários dos contos da antologia, como o Se as bruxas não lutam, elas queimam, que já me conquistou pelo título e trata de um grupo de mulheres num universo medieval desejando conhecimento - aprender a ler, escrever, contar; Skuld assiste a uma batalha, em que uma das valquírias desafia os códigos de honra de homens e deuses para premiar aquilo que ela enxerga como bravura; Aquilo que permanece, no qual a protagonista tem de lidar com seu papel descartável dentro de uma sociedade machista, mas encontra na melhor amiga companheirismo, lealdade e paixão; ou ainda As Filhas da Lua, cuja transformação maior não é se tornar uma loba, mas pela primeira vez sair da sombra dos irmãos e encontrar seu lugar no mundo.
Não apenas dá-se vez ao protagonismo feminino, como também há uma diversidade muito grande, com personagens de todas as idades, de várias etnias e diferentes orientações sexuais. São personagens que se rebelam contra o status quo, que lutam por aquilo em que acreditam, que são capazes de se sacrificar por suas convicções. São as irmãs de Tecelões e também de O santuário de Liara, a elfa de Entre o amor e a glória, a competidora que abre mão da vitória em A noite mais escura, e as amazonas de A Última Batalha; e sim, é também a minha Elidore, de Kelpie. Elas desejam conhecimento, companheirismo e acima de tudo, respeito.
Há releituras de contos tradicionais, como o excelente O Outro Lado da Maçã, com a surpreendente versão da Rainha Má e uma Branca de Neve que aprende a valiosa lição de amar a si mesma; uma criatura do folclore japonês com mais empatia que seres humanos em Dama de Gelo; uma versão de Boadiceia atrás de vingança em A rainha de fogo; deusas que abrem mão de posições de poder para possuir liberdade em A batalha de Freya e até mesmo um conto narrado pela Morte, apaixonada pela rainha guerreira de Coisas Vivas. Tem o gótico de A conjuradora de almas, o mítico em Fogo escarlate e o steampunk de A espada de gelo; o rancor como arma em Não tenha medo e a introspecção de um momento de transição Entre cinzas e o fogo
Como em toda antologia, a qualidade dos contos é irregular, com alguns excelentes e outros medianos, mas há potencial para tanta coisa maior derivar dessas histórias - romances inteiros talvez, com mundos e mitologias próprias que, num espaço tão curto como o limite do livro, foram apenas pincelados. Ainda assim (e não digo isso por ser a autora de uma das histórias), é um livro gostoso de ler, que tem muito a apresentar, muitas autoras para conhecer e ficar de olho para poder ler o que mais elas escreverem.
Terminando por hoje, lá no post do Coruja tá rolando sorteio até dia 09 de março. Passem por lá!
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http://owlsroof.blogspot.com.br/2017/02/valquirias-uma-antologia-para-chamar-de.html