Andreia Santana 16/10/2011
Uma resenha para iniciados em CSC... ou nem tanto
Nenhum dos mistérios das Desventuras em Série é esclarecido nesta Autobiografia não autorizada de Lemony Snicket. E ainda assim, o livro é um desfecho compatível com a coleção original, de 13 volumes, que conta a desditosa história dos órfãos Baudelaire. A sensação é de que Daniel Handler, o autor que empresta corpo e voz ao alter-ego Lemony Snicket, que por sua vez é o narrador-personagem das Desventuras, catou na escrivaninha todas as sobras de ideias que ficaram da epopéia dos geniais irmãos. Não vale a pena ler essa autobiografia se você não é um dos iniciados em CSC, a misteriosa organização da qual os Baudelaire, amigos e inimigos faziam parte.
Autobiografia é uma deliciosa colcha de retalhos, que como o próprio autor diz, pode ser lida em qualquer ordem. É um livro-instalação, uma obra de arte pinçada diretamente da cultura fragmentada e múltipla contemporânea. Parece saído de um blog, ou de uma daquelas caixas de recordações da vovó, onde pedaços de cartas se misturam a fotografias, fitas, barbantes, cachos de cabelos, papeis de bala...
A ideia é que o livro traga um pouco de luz sobre os motivos que levaram os Baudelaire a perder a família em um trágico acidente e depois viver fugindo do conde Olaf, o pérfido vilão que tenta lhes roubar a fortuna. Além claro, de explicar quem é Lemony Snicket e como ele tem acesso a todos os acontecimentos trágicos da vida dos três irmãos. Nada disso fica explicado, mas para quem venera a série e seus personagens intrigantes e instigantes, explicações é o que de menos importa.
Embora não tenha a mesma qualidade – e nem a coesão – narrativa da série original, Autobiografia pode ser lida como uma última piada de Snicket/Handler para o desfecho de Desventuras em Série, uma obra totalmente aberta, que tem um final tão misterioso quanto o seu "mau começo". Guardadas as devidas proporções, a série inteira, incluindo o adendo da autobiografia, ainda por cima não autorizada, eis aí um divertido paradoxo, tem um esqueleto muito parecido com o da obra Guia do Mochileiro das Galaxias, de Douglas Adams.
Tratam-se, óbvio, de dois universos ficcionais distintos, mas que se assemelham na estrutura narrativa meio nonsense, mas que na verdade faz todo o sentido (ou tanto quanto a vida), na ironia presente em cada linha, nas piadas rápidas e na sensação de que o autor se divertiu bastante em cada linha. Tenho uma predileção por obras em que o autor se delicia tanto quanto seus leitores com os rumos da história.
Algum leitor mais crítico (ou mais ranzinza) pode dizer que o livro é um caça-níqueis, uma tentativa de faturar mais um pouco com os personagens de Desventuras, mas, aos fãs de verdade pode ainda parecer que é a cereja do bolo, a última colherinha de tempero que deixa o prato no ponto. Vale a pena ler tanto para rir um pouco mais das estripulias de Snicket, quanto manter na estante como o décimo quarto volume que fecha as desventuradas aventuras dos Baudelaire e do seu cronista oficial.