Leandro Matos 11/08/2014» Em Busca da Memória | Neurônios, Cérebro, História, Ciência, BiologiaEm Busca da Memória, é um livro científico semi-biográfico escrito pelo neurocientista austríaco Eric Richard Kandel, que foi laureado pelo Nobel de Fisiologia/Medicina em 2000, pelas pesquisas que o levaram a descobertas sobre os neurônios, a transmissão de sinais entre células nervosas no cérebro e de como a nossa memória é armazenada.
Eric nasceu em Viena, capital da Áustria, na época de ouro da cidade, onde se propagavam em seus teatros e praças, apresentações culturais de diversas formas. De família judia e com um irmão mais velho, Eric guarda profundas lembranças daqueles anos em que o Terceiro Reich se iniciou. Dentre elas a mais latente seja a de 7 de Novembro de 1938, que ao completar 9 anos, recebeu de presente dos pais, um carrinho azul de controle remoto no qual brincava incessantemente.
No início da noite do dia 9, Eric ouviu o som que viria a recordar até os dias atuais.
Brincando sem qualquer percepção da realidade, Eric ouviu algumas batidas na porta da sua casa. Quem se apresentava, eram dois homens que se identificaram como policiais nazistas e que exigiam a imediata saída da família Kandel do local. O pai de Eric era polonês e por coincidência do destino ou não, se encontrava em outra localidade, o que por sua vez, deixou a ocasião para Eric, seu irmão e sua mãe ainda mais aterradora. Eles foram levados para um outro bairro, onde ficariam com outros judeus. Essa data ficaria eternamente conhecida como a Noite dos Cristais, data marcada pelos atos de violência contra judeus em diversos locais na Alemanha e na Áustria.
Nessa época, a perseguição contra os judeus não havia tomado as proporções dantescas que hoje tão (e infelizmente) conhecemos. Semanas depois, foi permitido a família Kandel retornar a residência, porém nada do que um dia poderia chamar de lar ainda se encontrava no local. Roupas, objetos pessoais, dinheiro, jóias, tudo foi levado. Até o seu tão estimado carrinho azul.
Nós somos quem somos em consequência do que aprendemos e do que nos lembramos.
Na verdade, esse é apenas um breve resumo da parte biográfica do livro. O que Eric fez no decorrer das mais de 500 páginas do livro foi costurar de forma interessante e até didática, o seu relato biográfico com toda a história de neurologia no decorrer dos últimos 150 anos. No início da sua vida acadêmica, Eric pretendia ser psicanalista, mas antes precisaria passar pela psiquiatria, o que lhe exigia uma formação médica. Durante os estudos de formação, ele conheceu o seu grande mentor, o neurofisiologista Harry Grundfest. Eric ingenuamente perguntou a Grundfest, onde ele poderia encontrar fisicamente no cérebro, as regiões do modelo estrutural da personalidade que fora desenvolvida por Freud, o Id, Ego e o Superego. Do neurofisiologista ele recebeu a resposta que iria permear toda sua carreira científica: Se você quiser entender o cérebro você vai ter que tomar uma abordagem reduzida, uma célula de cada vez.
Essa foi a guinada na carreira de Kandel que culminou no prêmio do Nobel. Pois, a partir da experimentação de vários métodos e cobaias diferentes, e do boom causado pela descoberta da estrutura do DNA em 1953, ele por fim encontrou o seu alvo. Um ser vivo que possuía uma quantidade limitada de células nervosas, porém com um enorme (e visível a olho nu) sistema nervoso central.
A memória é a cola que liga a nossa vida mental. Torna possível que eu me lembre do que fiz nesta manhã do que fiz na semana passada, do que fiz há 6 anos. Ela nos permite dar continuidade à nossa vida. É a característica fundamental da nossa vida mental. Sem memória, não haveria nada.
Na época, a comunidade científica já sabia que determinada célula (neurônio) ao ser estimulada poderia resultar em uma ação predeterminada, e não foi ao acaso que ele escolheu um lesma marinha. Freud já havia flertado com a biologia ao dissecar enguias e devido a sua proximidade com o trabalho do pai da psicanálise, ele acabou escolhendo a lesma marinha Aplysia californica. A Aplysia possui pouco mais de 20 mil neurônios, o que facilitava muito o trabalho científico da equipe de Eric, que sabia exatamente qual célula deveria ser cutucada para que a lesma, por exemplo, colocasse ovos. Hoje se sabe que o cérebro humano possui mais de 100 bilhões de neurônios, ficando impossível naquela época trabalhar com tamanho material. O Nobel veio exatamente em provar dentre outras coisas, que a memória inconsciente e passageira, poderia se tornar permanente após repetidos estímulos. Os conceitos que hoje temos de memória de curto e longo prazo foram reformulados através desses experimentos que Eric conduzira.
Nossas experiências (memórias) que envolvem dimensão, tempo e o uso de vários sentidos são mais facilmente convertidos em memória de longo prazo. Sabe aquela nostalgia que você sente ao rever algo da sua infância ou alguém, que foi de alguma forma importante na sua vida e que nesse exato momento, atrelado a essa recordação, vem outras sensações? Você lembra por exemplo de coisas relativas ao momento, como o local, o tempo que fazia no dia, dentre outras coisas. Ele apresentou resultados que a memória fica armazenada em diferentes lugares no cérebro e que essas regiões, ligadas ao tato, a linguagem e ao visual, são acessadas ao nos reportamos à essa lembrança. Aquilo que aprendemos de novo, faz com que nosso cérebro crie novas ligações neurais (sinapses). Aprender é modificar sinapses. Forçar o cérebro a fazer essas novas conexões é essencial para um bom aprendizado, a memorização é um ato contínuo, dinâmico e repetitivo. Ler dois livros diferentes e/ou aprender um idioma que não possua qualquer tipo de parentesco com o português são ações que reforçam e formam novas ligações sinápticas.
Em busca da memória é de suma importância para aqueles que têm interesse na compreensão e no funcionamento do cérebro como um todo. Ao relatar toda a sua carreira, entrelaçada pela história da neurociência e do meio em que foi concebida, Eric Kandel nos presentou com uma experiência única e que após sua leitura fascinante, certamente ficará armazenada permanentemente em nossos cérebros.
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