Tauana Mariana 08/04/2013
Repensar a reforma, reformar o pensamento
Sobre o livro
Morin é Morin. Em um livro curtinho, fácil de ler e compreender, Edgar Morin propõe-se a refletir sobre a reforma do pensamento e repensar a reforma. Oferece-nos discussões acerca do ensino, da educação, da Universidade, dos professores. Afirma que ter conhecimento é ter uma cabeça bem-feita, e não uma cabeça cheia. Ou seja, de nada adianta termos inúmeras informações na cabeça, se não soubermos processá-la, discerni-la e compreendê-la. Mas para isso, é preciso pensar globalmente, de forma complexa e com paixão. Para Morin, educar deve ser feito com amor, pois é uma missão: é a missão da transmissão.
Resumo
Este livro é dedicado, de fato, à educação e ao ensino, a um só tempo. Esses dois termos, que se confundem, distanciam-se igualmente. p. 10
Capítulo I - Os Desafios
[...] a hiperespecialização impede de ver o global [...]. p. 13
[...] o retalhamento das disciplinas torna impossível apreender "o que é tecido junto", isto é, o complexo, segundo o sentido original do termo. p. 14
Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável. p. 15
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando que a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada. p. 16
O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas. p. 16
O desafio cultural: a cultura das humanidades tende a se tornar um moinho despossuído do grão das conquistas científicas sobre o mundo e sobre a vida, que deveria alimentar suas grandes interrogações; a segunda, provada da reflexão sobre os problemas gerais e globais, torna-se incapaz de pensar sobre si mesma e de pensar os problemas sociais e humanos que coloca. p. 18
O desafio sociológico: a informação é uma matéria-prima que o conhecimento deve dominar e integrar; [...] o conhecimento deve ser permanentemente revisitado e revisado pelo pensamento; [...] o pensamento é, mais do que nunca, o capital mais precioso para o indivíduo e a sociedade. p. 18
O desafio cívico: o enfraquecimento de uma percepção global leva ao enfraquecimento do senso de responsabilidade [...], bem como o enfraquecimento da solidariedade [...]. p. 18
O desafio dos desafios: a reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino. p. 20
Capítulo 2 - A cabeça bem-feita
A primeira finalidade do ensino foi formulada por Montaigne: mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia. O significado de "uma cabeça bem cheia" é óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. "Uma cabeça bem-feita" significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; princípios organizadores que permitem ligar os saberes e lhes dar sentido. p. 21
A filosofia é, acima de tudo, uma força de interrogação e de reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da condição humana. p. 23
[...] o conhecimento comporta, ao mesmo tempo, separação e ligação, análise e síntese. p. 24
Trata-se, ao mesmo tempo, de reconhecer a unidade dentro do diverso, o diverso dentro da unidade; de reconhecer, por exemplo, a unidade humana em meio às diversidades individuais e culturais, as diversidades individuais e culturais em meio à unidade humana. p. 25
Enfim, um pensamento unificador abre-se de si mesmo para o contexto dos contextos: o contexto planetário. Para seguir por esse caminho, o problema não é bem abrir as fronteiras entre as disciplinas, mas transformar o que gera essas fronteiras: os princípios organizadores do conhecimento. p. 25
[...] as ciências biológicas progridem em múltiplas frentes mas essas frentes não estão coordenadas umas às outras e levam à ideias divergente. p. 32
A História [...] tende a tornar-se a ciência da complexidade humana. p. 32
Capítulo 3 - A condição humana
O que essas ciências [cosmologia, as ciências da Terra e a Ecologia] é apresentar um tipo de conhecimento que organiza um saber anteriormente disperso e compartimentado. p. 35
Trazemos, dentro de nós, o mundo físico, o mundo químico, o mundo vivo, e, ao mesmo tempo, deles estamos separados por nosso pensamento, nossa consciência, nossa cultura. Assim, Cosmologia, ciência da Terra, Biologia, Ecologia permitem situar a dupla condição humana: natural e metanatural. p. 37
Conhecer o humano não é separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. p. 37
Tudo isso deve contribuir para a formação de uma consciência humanística e ética de pertencer à espécie humana, que só pode ser completa com a consciência do caráter matricial da Terra para a vida, e da vida para a humanidade. p. 39
[...] a condição humana foi autoproduzida pelo desenvolvimento do utensílio, pela domestificação do fogo, pela emergência da linguagem de dupla articulação e, finalmente, pelo surgimento do mito e do imaginário ... [...]. p. 40
[...] em toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de música, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana. p. 45
Capítulo 4 - Aprender a viver
É, pois, na literatura que o ensino sobre a condição humana pode adquirir forma vívida e ativa, para esclarecer cada um sobre sua própria vida. p. 49
Literatura, poesia, cinema, psicologia, filosofia deveriam convergir para tornar-se escolas de compreensão. p. 51
Explicar não basta para compreender. Explicar é utilizar todos os meios objetivos de conhecimento, que são, porém, insuficientes para compreender o ser subjetivo. p. 51
Ainda não existe, infelizmente, uma noologia, destinada ao âmbito do imaginário, dos mitos, dos deuses, das ideias, ou seja, a noosfera. p. 53
As ideias não são apenas meios de comunicação com o real; elas podem tornar-se meios de ocultação. O aluno precisa saber que os homens não matam apenas à sombra de suas paixões, mas também à luz de suas racionalizações. p. 54
Capítulo 5 - Enfrentar a incerteza
Aprendemos que tudo aquilo que é só pode ter nascido do caos e da turbulência, e precisa resistir a enormes forças de destruição. O cosmo se organizou ao se desintegrar. p. 56
Conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza. p. 59
E chegamos à grande revelação do fim do século XX: nosso futuro não é teleguiado pelo progresso histórico. p. 60
Todo o nosso ensino tende para o programa, ao passo que a vida exige estratégia e, se possível, serendipididade e arte. p. 62
Capítulo 6 - A aprendizagem cidadã
Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional. p. 65
O Estado-Nação é uma sociedade territorialmente organizada. p. 66
A comunidade tem caráter cultural/histórico. É cultural por seus valores, usos e costumes, normas e crenças comuns; é histórica pelas transformações e provocações sofridas ao longo do tempo. p. 67
A mitologia matripatriótica suscita uma verdadeira religião do Estado-Nação. p. 68
[...] devemos contribuir para a autoformação do cidadão e dar-lhe consciência do que significa uma nação. p. 74
Capítulo 7 - Os três graus
Primário: a finalidade da "cabeça bem-feita" seria beneficiada por um programa interrogativo que partisse do ser humano. É interrogando o ser humano que se descobriria sua dupla natureza: biológica e cultural. p. 75
À medida que as matérias são distinguidas e ganham autonomia, é preciso aprender a conhecer, ou seja, a separar e unir, analisar e sintetizar, ao mesmo tempo. Daí em diante, seria possível aprender a considerar as coisas e as causas. p. 76
A aprendizagem da vida será realizada por duas vias, a interna e a externa. p. 77
A via externa seria a introdução ao conhecimento das mídias. Como as crianças são imersas, desde muito cedo, na cultura de mídia, televisão, videogames, anúncios publicitários, etc., o papel do professor, em vez de denunciar, é tornar conhecidos os modos de produção dessa cultura. p. 77-78
Secundário: o ensino secundário seria o momento da aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura. p. 78
[...] o círculo da docência não deveria fechar-se como uma cidadela sitiada, sob o bombardeio da cultura de mídia, exterior à escola, ignorada e desdenhada pelo mundo intelectual. O conhecimento dessa cultura é necessário não só para compreender os processos multiformes de industrialização e supercomercialização culturais, mas também o quanto das aspirações e obsessões próprias a nosso "espírito da época" é traduzido e traído pela temática da mídia. p. 80
A Universidade deve, ao mesmo tempo, adaptar-se às necessidades da sociedade contemporânea e realizar sua missão transecular de conservação, transmissão e enriquecimento de um patrimônio cultural, sem o que não passaríamos de máquinas de produção e consumo. p. 82
A reforma da Universidade não poderia contentar-se com uma democratização do ensino universitário e com a generalização do status de estudante. Falo de uma reforma que leve em conta nossa aptidão para organizar o conhecimento - ou seja, pensar.
Capítulo 8 - A reforma de pensamento
É preciso substituir o pensamento que isola e separa, por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto. p.89
Um pensamento capaz de não se fechar no local e no particular, mas de conceber os conjuntos, estaria apto a favorecer o senso da responsabilidade e o da cidadania. A reforma do pensamento teria, pois, consequências existenciais, éticas e cívicas. p. 97
Capítulo 9 - Para além das contradições
[...] não se pode reformar a instituição sem uma prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições. Essa é uma impossibilidade lógica que produz um duplo bloqueio. p. 99
O ensino deve voltar a ser não apenas uma função, uma especialização, uma profissão, mas também uma tarefa de saúde pública: uma missão. Uma missão de transmissão. p. 101
Onde não há amor, só há problemas de carreira e de dinheiro para o professor; e de tédio, para os alunos. p. 102