Érika 10/03/2020Sutileza e vigorEsse ano, até o momento, o que mais li foram poemas. Creio que pela praticidade: geralmente os livros têm menos texto e em uma ou duas tardes se lê tudo; os melhores permanecem na mente, rodando e maturando por muitos dias. E outra coisa que também aconteceu foi que li quase que só coisas que não estavam na minha #metadeleitura quando começou o ano. Rebeldia inerente?
Enfim, nesse mesmo passo, peguei esse livro da Alice Ruiz sexta passada, apenas para poder deixá-lo disponível para quem quisesse declamar poemas dela no sarau das mulheres. A biblioteca já estava pra casa e então eu trouxe ele comigo pra casa. Já que estava aqui, por que não ler?
E que bom que eu li!
Alice Ruiz era uma #poetisa que eu só conhecia de nome e de fama. Esposa do #Leminski e parceira na arte, os dois foram os grandes responsáveis pela #tradução dos #haikais de #Bashô para português, e ela ama haikais e ministra aulas sobre esse tipo de poesia há muitos anos. Sabia também, vagamente, que ela escrevia letras de música e mais algumas coisas sobre suas amizades culturais. A obra em si eu nunca tinha lido.
Este livro aqui é uma junção de tudo que #aliceruiz publicou na década de 1980, que foi quando ela começou a publicar. Contém, entre outros, "Vice Versos", obra que levou o #premiojabuti de poesia em 1989.
O estilo dela é muito semelhante ao do Leminski, apesar de que, pelo pouco que li do Leminski, gostei mais do modo como a Alice utiliza o mesmo estilo. Parece mais vigoroso, mais sólido na pena dela. Predominam os poemas curtos (muitos haikais, seguindo as regras do haikai ou não) e sonoros, com jogos de significado entremeados em jogos de palavras e letras e ecos. Há também alguns que se aproximam mais da #poesiaconcreta, como "O que é a que é", um sensacional #poema sobre a mulher e como é vista na sociedade, que infelizmente não consegui postar aqui porque a letra é muito miudinha, mas vale dar um Google. Praticamente é o único #poema #feminista do #livro, e há também alguns de crítica social (como o que dá o título do livro Navalhanaliga: nada na barriga / navalha na liga/ valha), mas a maioria é mais imagético ? normalmente sobre a natureza ? ou sentimental.
No caso desses últimos, o sentimento em si fica bem exposto, mas aparece puro, abstrato, pois a autora consegue esconder muito bem em suas poucas palavras, o impulso da realidade que a levou a escrever aquilo. Apenas um dos seus motivos subjacentes transparece, tão forte que perfura o véu de palavras habilmente tecido pela poeta: a morte do filho. Miguel Ângelo, o primeiro filho de Alice e Lemisnki, faleceu de um linfoma aos dez anos. Eu não sabia desse fato da biografia dela, aprendi-o vagamente dos poemas e depois confirmei. Parece que é uma dor que ela nunca conseguiu superar, porque em todas as seções do livro esse assunto volta. Mas isso não a fez desistir da poesia, pelo contrário ? vê-se que Ruiz a usa como método terapêutico. Produz, a partir desse incidente e de tantos outros, pequenas pérolas nas quais o leitor enxerga ? como diria pessoa ? não as duas dores que o poeta teve, mas só a que ele(a) leitor(a), não tem.
A experiência foi ótima e não vejo a hora de, quando der na telha de novo, procurar mais obras dela.
Recomendo este livro a quem gosta de poesia e a quem não gosta também. Quem sabe passa a gostar?