Paulo Sousa 13/01/2024
Leituras de 2024
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Ler e escrever [2001/2020]
Orig. Reading and writing
V. S. Naipaul (??1932-2018)
Âyiné, 2017 e 2021, 124p.
Trad. Rogério Galindo e Sandra Dolinsky
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?Eu queria ser escritor. Mas junto com o desejo, viera a compreensão de que a literatura que me havia causado esse desejo era de outro mundo, muito distante do meu? (pág 15/iBooks).
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Ah, férias?somente este hiato de trabalho e demais afazeres compreendidos no ano útil, para me permitir poder ler com vagar as coisas que há tanto quero lê-las. E nada como a celebrada condição de estar, ainda que momentaneamente, desligado desses afazeres e poder viver o deleite de ler um livro atrás do outro nesses dias brejeiros...
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Sempre que posso, gosto de ler sobre livros, leitura e o ofício de escrever. É um universo instigante para mim o que pulula a cabeça do escritor, as gentes dos livros somos levados a crer num mar de palavras e ideias, uma mixórdia de temas que se misturam à própria vivência do escritor e que, uma vez deitados ao papel, se tornam arte, se tornam livros.
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Vidiadhar Surajprasad Naipaul, ou, para ficar mais fácil, V. S. Naipaul, nascido na idílica Trinidad & Tobago, é um escritor que ganhou o prêmio Nobel de literatura em 2001. Entre seus livros mais famoso estão ?Os mímicos?, ?Uma curva no rio? e ?Uma casa para o Sr. Biswas?, livros que aliás os possuo e que estão já há algum tempo relegados à espera e à falta de lepidez de seu dono, para lê-los. Paciência.
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Em ?Ler e escrever?, são juntados três textos do autor: este que dá título ao livro, ?O escritor e a Índia? (uma viagem que Naipaul fez em busca das suas raízes mais primárias) e o famoso ?Dois mundos?, que trata do seu discurso quando laureado com o Nobel pela Academia, em 2001.
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Bom, topei com este livro de bolso por acaso na loja de livros do iBooks, ainda enquanto lia o romance do Kawabata, minirresenhado ontem. Fiquei logo interessado em saber do universo criativo de um autor que tenho imensa vontade de ler algum de seus livros (quem sabe, não já emplaque um dos dele na próxima leitura?) e o que pude notar é que Naipaul teve lutas internas difíceis de lidar, já que, à medida em que foi amadurecendo seu estilo de escrita, concomitantemente, aumentava seu amadurecimento social.
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Uma vez que Naipaul olhou com olhos críticos toda a história por trás das bases literárias, às quais foi apresentado ainda quando estudante de Trinidad, uma vez já vivendo em Londres, ele pode perceber um imenso hiato na qualidade e eficácia do ensino escolar de ambos os países - compreensivelmente, já que estamos falando de colônia e colonizador. A disparidade percebida por Naipaul não era somente racial ou étnica. A própria literatura da ilha e outras que posteriormente analisou, não eram de fato coerentes com a própria história de vida ali. Naipaul escreveria ?Os mímicos? para justamente falar dessa falha, ?um sentimento de vergonha e fantasia colonial, de impotentes mentindo sobre si mesmos e para si mesmos?.
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O livro em si, de forma simples, muito entrega da vida intelectual de Naipaul e seu universo de criação literária. Vale a pena sua leitura principalmente por se debruçar sobre o problema da herança maldita relegada pelo processo colonizador, quando homens que se consideram superiores, invadem vidas e histórias e as tornam subalternas, danificando - por muito tempo, vê-se - aquela forma particular de se ver e de ver o mundo. Trágico, ainda que cômico.