Laura Brand 14/05/2018
Nostalgia Cinza
Fogo e fúria, além do mérito de ser um relato real é inédito de alguém que conseguiu conviver tanto tempo com a figura mais caricaturesca dos últimos anos, é um belo relato jornalístico de alguém que conseguiu, durante 200 dias, conviver lado a lado com suas fontes, conquistar sua confiança e observar como uma mosquinha na parede (terão utilizado pelo autor) a história sendo feita e o desenrolar de um furacão político que abalou a política americana de forma nunca vista desde o Watergate.
Fogo e Fúria traz um relato de uma das figuras mais midiáticas dos últimos tempos. É impressionante ver como Donald Trump é um personagem extremamente caricato, é quase inacreditável a forma como ele lida com o governo, com o fato de ser presidente dos Estados Unidos, como ele é um homem extremamente despreparado para o cargo. Sua inteligência deixa a desejar a cada discurso e seu tato social é praticamente nulo. É assustador perceber como tal homem conseguiu chegar ao maior cargo do executivo norte-americano.
É engraçado perceber como a Melania praticamente não é citada no livro, só existe uma menção no começo do livro, quando o autor fala sobre a campanha de Trump e quando fala sobre sua vitória, que retrata como a mulher do futuro presidente dos Estados Unidos ficou aos prantos quando descobriram que ele havia ganhado a eleição, o que ninguém, nem mesmo sua comitiva, esperava. Vimos no governo de Barack Obama uma primeira-dama muito presente, tanto no próprio governo de Obama como braço-direito do presidente, quanto na própria mídia e no entretenimento de forma geral. Durante oito anos de governo, Michelle foi uma figura muito popular, às vezes mais querida que o próprio presidente. Michelle Obama foi uma primeira-dama de expressão e o mesmo não acontece com Melania, o que mostra que nem a própria esposa de Donald Trump se faz presente em seu governo. O relacionamento de Trump e Melania praticamente não é mencionado e é curioso perceber como a própria esposa do presidente não consegue ficar perto, mantendo-se em grande parte do tempo na Trump Tower, em New York.
Um fato descrito por Michael Wolff que se destaca em meio a tantas polêmicas é o fato da própria equipe de Donald Trump desacreditar na sua vitória durante a campanha presidencial. Era como se sua candidatura fosse muito mais uma jogada de marketing com interesses supérfluos que passava longe de uma empreitada que realmente almejava o cargo mais alto do executivo estadunidense. Wolff relata que, quando o resultado é divulgado e Trump é eleito presidente, todos ficam incrédulos. Não houve um planejamento para depois das eleições, para eles esse depois nunca existiria. Um comentário frequente durante esse período é o de que “está acabando”, ou seja, não existia um futuro previsto para Trump como presidente. Esse mesmo despreparo é refletido nos primeiros anos do governo Trump que tanto enche os noticiários de manchetes escandalosas e dignas de um filme de ficção de mau gosto.
Outra característica que marca a leitura são os conflitos dentro da própria equipe e família de Trump. Muito mais do que relatar o governo de Donald, Michal Wollf acompanhou, por 200 dias, algumas das pessoas que convivem de perto com o presidente e retrata no livro como existem conflitos muito intensos entre essas figuras. Tanto do presidente com seus subordinados, quanto dos funcionários entre si. É um misto de animosidade, pensamentos antagônicos e péssima administração.
Michael Wolff transcreve alguns dos discursos de Donald e é impressionante ver como não existe preparo, não existe estudo, não existe embasamento. Trump simplesmente contraria tudo e todos e fala o que bem entender, sem se preocupar com os desdobramentos de suas palavras. É um sujeito que claramente não tem noção de causa e consequência e isso se reflete em seu governo.
Boa parte do livro, além de trabalhar a questão da conjuntura internacional e de polêmicas como o envolvimento da Rússia durante as eleições presidenciais e do encontro do genro de Trump com os russos, o discurso do presidente sobre a Coreia do Norte, a opinião sobre Charlottesville etc.
princípio pensei que o livro fosse falar mais sobre o Trump, diretamente em contato com ele. Havia ficado com a impressão de que o livro seria um relato mais pessoal, mas de bastidores do próprio Trump, com conversas dele, reflexões, pensamentos e ações que teriam sido acompanhadas de perto por Michael Wolff. Entretanto, ele faz um retrato pessoal e político quase aos olhos das pessoas que convivem com ele. O livro se torna um relato mais voltado para as pessoas que fazem parte do dia a dia na Casa Branca de Trump do que do próprio presidente em si. São mencionados Ivanka, a filha do presidente, Jared, seu genro, Bannon e Hicks, nomes de expressão em seu governo. O livro se torna uma história mais dos coadjuvantes do que do protagonista caricato que despertou a curiosidade do mundo inteiro. Isso prejudica a leitura para o leitor que não acompanha muito a política estadunidense e que queria apenas ter um olhar um pouco mais profundo sobre o governo da maior potência mundial.
A leitura se torna muito densa, com muitas informações e referências que não são explicadas. Michael Wolff cita muitos nomes e acontecimentos que, para o cidadão norte-americano, podem ser comuns, mas para o leitor brasileiro comum se tornam pouco contextualizados. Por isso a leitura pode se tornar cansativa e não flui tão bem.
Fogo e fúria é um livro interessante para entender um pouco melhor o governo de Donald Trump, o papel dos lobistas na política norte-americana, os interesses pessoais e financeiros por trás das nomeações para os cargos públicos e a agenda presidencial norte-americana. Entretanto, não é uma leitura fácil, é um livro de nicho muito bem definido e não é muito agradável de se ler porque exige certo embasamento prévio. Não é qualquer leitor que irá mergulhar na leitura. Michael Wolff escreve para o cidadão estadunidense que já acompanha o desenrolar dos acontecimentos há algum tempo e quer saber um pouco mais sobre os bastidores, então para o leitor comum é difícil entender com tanta facilidade esses bastidores se o contexto geral não é tão próximo. É um livro válido, que apresenta uma leitura diferente, mas não é para qualquer um.
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