Alê | @alexandrejjr 10/12/2021
Pode a literatura envelhecer?
A pergunta capciosa que faço no título desta resenha tem uma resposta óbvia: sim, a literatura também envelhece. E por diversas razões. A principal delas é o implacável tempo, essa força abstrata que condena todos os seres vivos a um fim.
Mas voltemos ao livro. Fernando Sabino, escritor mineiro conhecido principalmente pelos romances “O encontro marcado” e “O grande mentecapto”, foi um dos grandes cronistas do país. Gênero jornalístico por excelência, Sabino fez da crônica um espaço de experimentalismo ficcional. Aliada à rigidez do cotidiano, as pitadas de ficção utilizadas por Sabino e outros grandes nomes, como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, renovaram o gênero. E é dessa tentativa de dar novos ares à crônica que nasce este “O homem nu”, publicado pela primeira vez em 1960.
Mas temos alguns (muitos) problemas. O primeiro deles, já citado no primeiro parágrafo por este leitor, é o tempo. Ler em 2021 crônicas que datam de 1960 pode não ser a melhor das experiências. Certos textos estão presos demais ao ambiente em que foram escritos. Além disso, muitas das 40 narrativas que compõem este livro apresentam misoginia, machismo e racismo, falta grave já naquela época e inaceitável para os meus olhos do século XXI. Não bastasse isso, muitos dos textos tratam de um tema que tem zero interesse da minha parte: a vida na caserna. Sim, apesar de ser inusitado, esse universo fez parte da vida de Fernando Sabino, que ingressou em 1941 no serviço militar, ficando um brevíssimo período por lá, o suficiente para lhe dar alguma inspiração, pelo visto.
Em meio a disparates como “O canto do galo”, narrativa na qual um homem que apanhava da mulher resolve, da noite para o dia, revidar na mesma moeda e assim “controlar a casa” e recuperar sua “dignidade”, temos, sim, alguns (poucos) textos que se salvam. É o caso do conto que dá título a esta coletânea que, apesar de notadamente carregar características de outros tempos (leite em garrafa deixado pelo leiteiro na porta do apartamento junto ao pão do padeiro, etc), segue surpreendentemente engraçado, com um final catártico; “Condôminos” é outro bom exemplo, espécie de híbrido entre conto e crônica que tem o próprio Sabino como uma das personagens; e “Dona Custódia”, divertido conto sobre uma empregada doméstica que utiliza o apartamento do chefe nas horas vagas por guardar um melancólico segredo. Existem alguns outros textos com leve tom memorialista que se aproximam mais da crônica do que do conto, como o divertido "Correria na estação de Nápoles”, mas não merecem menção.
O veredicto final é este: "O homem nu" envelheceu e envelheceu muito mal. Por isso, a dica é: caso queira conhecer o olhar aguçado de Fernando Sabino, opte pelo livro "O encontro marcado", muitas vezes classificado como o "romance de uma geração", ou pelo surrealismo do nosso Quixote brasileiro presente em "O grande mentecapto". Ah, e não escolha por este envelhecido livro que completa 61 anos em 2021.