lucas gabriel 28/07/2023
Grande nome do horror no nosso continente
Através da leitura de "Los peligros de fumar en la cama" senti que precisaria fazer essa resenha. Mariana Enriquez adiciona seu nome no universo do horror latinoamericano com um material que surpreendente qualidade.
"Los Peligros de Fumar en la Cama" é uma coletânea de contos de horror que geram asco, raiva, medo e revolta. O terror "político", trazendo cenários das mazelas argentinas - mas tão bem representantes das demais que assolam a América Latina - dá um toque que até então nunca havia encontrado nas obras do gênero. Junto com o horror, Enriquez trabalha em cima do Realismo Místico de uma forma fenomenal.
Ao ler os primeiros contos senti tremendo desconforto, visto que seus 2 ou 3 primeiros contos abordam o racismo de uma forma tão explicita que é de enojar e revoltar. A temática ativou o horror em mim de uma forma que passei a odiar a autora em si, por aquelas palavras. "como alguém poderia escrever aquilo". Sem contar os inúmeros 'sensos comuns' preconceituosos sobre religiões de matriz africana e afins. Contudo, conforme avancei nos demais contos, foi possível entender o propósito da autora em levantar a discurso cru do social, assim como o pensamento de senso comum em sua forma, tendo em vista que as narrativas eram quase sempre contadas por narradores personagens. E em entrevista sobre seu processo de escrita e criação, a autora afirma justamente fazer personagens detestáveis mesmo. E acrescenta: " O escritor não está ali para dizer como as pessoas devem viver. Como autora, me interessa saber o que passa na cabeça de uma pessoa com problemas, porque é uma pessoa. Não creio que possa haver um mundo com gente absolutamente limpa".
Adiante, sobre a sua disposição em escrever e dar voz a narrativas de personagens odiáveis e de comportamentos repulsivos, a autora diz: "Tanto na realidade quanto na criação artística, negar a existência de qualquer comportamento, por mais rechaçável que seja, é sempre pior.". E em justamente ver algumas de suas narrativas narradas pelos repulsivos, ao invés do olhar da vítima, Mariana Enriquez consegue gerar no leitor sensações tão profundas de desconforto de forma maestral.
Segundo Enriquez: "O horror não é apenas um gênero popular e respeitável, mas um que toca em sensibilidades particularmente contemporâneas". Além de um horror que não se aparta do comentário social, Enriquez cria também uma atmosfera relacional onde o misticismo de suas estórias se misturam com o imaginário popular sulamericano. O que, em minha visão, gera um senso de identificação poderoso, capaz de brincar com os medos presentes em um subconsciente latinoamericano.
Seja através dos repugnantes e vicerais "Carne" e "Dónde estás corazón", ou pelos místicos aterrorizantes "El aljibe" e "Cuando hablámos con los muertos", Mariana Enriquez me proporcionou 'escalafríos', olhares de esguelha aos cantos escuros da casa e até um pulo de susto após momentos de tensão, tudo ao decorrer de uma ótima leitura e estudo do Espanhol (e sua singularidade argentina). Não vejo a hora de ler os demais trabalhos dela.