Luz em agosto

Luz em agosto William Faulkner




Resenhas - Luz em Agosto


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Arsenio Meira 18/02/2014

Como Abrir Janelas para o tempo, o fracasso a memória e a morte

Sou urbano. Citadino. Eminentemente ligado às avenidas e ao concreto/fumaça que poluem rios, sistemas pulmonares e etc. (Hoje o trânsito insano já me faz pensar com mais vagar em outras paragens...) Mas William Faulkner dobrou este leitor umbilicalmente atado à cena urbana. Há, em Faulkner, uma dívida evidente à modorrenta vida rural, especificamente no Sul dos EUA. A tragédia grega e a retórica bíblica são dois traços inarredáveis: destino, fatalidade, fortuna - o narrador faulkneriano se assemelha em muito ao coral da tragédia: são os olhos que sabem o que acontecerá, que narram com a energia focada em um desfecho que se torna logo, para apreensão do leitor, evidente demais. Ninguém escapa de seu passado; ninguém escapa do seu sangue; os filhos pagam com juros escorchantes os erros dos pais; só a dor gera lucidez e sabedoria. E o "fluxo de consciência", técnica narrativa elevada ao Olimpo por Virginia Woolf e James Joyce, encontrou em Faulkner seu pouso de reinvenção, provando que o processo literário evolui e não se esgota, pois depende única e exclusivamente do gênio de quem o maneja...

Muitas das técnicas de Faulkner estão nesse romance, destiladas numa retórica que mistura tanto o gênero da narrativa de formação (a peregrinação de Joe Chistmas e sua educação) com brevíssimas convenções do romance policial (o acúmulo de tensão, a omissão de certas informações, o mistério da trama). Se o leitor em "Enquanto Agonizo" terá contato com as potências na narrativa em primeira pessoa (cada capítulo é narrado por uma personagem), "Luz em Agosto" é o apogeu da narrativa em terceira. E, sou da opinião de que este livro se iguala ao romance "Enquanto Agonizo" e supera o "Som e a Fúria". É impressionante a técnica de Faulkner: cada capítulo se inicia com um corte abrupto do anterior e o narrador, apesar de conhecer tudo que ocorre, sempre se aproxima da mente de uma personagem e filtra o mundo que lhe cerca a partir de sua perspectiva e experiência particular: uma narrativa em terceira pessoa com interiorização mental. Muitas vezes, quando narra o passado de determinada personagem (como no brilhante capítulo 3, que conta a vida do reverendo Hightower pelo que Byron Bunch escutou dos outros, uma estupenda aula de literatura), Faulkner opta pelo relato indireto de uma pessoa que presenciou aquela vida, e que de certa forma a narra também de sua experiência - seus valores, aquilo que crê, seus preconceitos e expectativas.

Esse acúmulo de diversos olhares e modos de viver é que cria a riqueza das personagens - nunca temos qualquer afirmativa sobre o que ela é já que as fontes podem, simplesmente, estar mentindo (algo que ocorre muito no mundo de Faulkner); também o que sente é dúbio já que sempre se escuta a interpretação do narrador ou de alguma testemunha que imagina os pensamentos que chegam ao leitor apenas por retalhos, frases em itálico soltas e rápidas, sem pontuação. Um terreno movediço onde o leitor nunca encontra posição confortável - ele também busca na trama tênue a verdade, ele monta o romance, junta as pistas que o narrador vai expondo de forma desordenada. Não apenas os livros de Faulkner são diferentes entre si; no corpo de um romance, geralmente, a retórica muda de capítulo em capítulo: é como se cada personagem demandasse uma abordagem diferente, não apenas na técnica como no vocabulário e ritmo de pensamento.

Faulkner não apenas eleva a potência dessas vozes; ele as faz ter coerência, reconhece seus limites, vê nelas o que do mundo lhes importaria realmente, e lhes dá algo fascinante: a impressão que aprendem conforme vivem a estória, porque é muito visível a maneira como vão mudando ao longo do romance. Nenhuma dessas personagens de "Luz em Agosto" termina da mesma forma que iniciou o livro - a maternidade transforma a menina Lena em mulher; o amor de Byron Bunch retira de seu coração o peso do egoísmo, ter vidas tão frágeis em suas mãos fazem que o reverendo Hightower reencontre sua fé, e até o pobre e macerado e devastado Joe Chistmas encontra na dor uma redenção que dá sentido à sua vida repleta de buscas frustradas.

É difícil escapar incólume após ler Faulkner - a relação que se estabelece com as personagens é inusual: pelo acúmulo, pela convulsão, o leitor em retrospecto acaba por ver que todos os nós se reúnem; afinal, ler Faulkner é conhecer a dor do próximo, e se ver nela. Uma experiência de leitura muito diferente da convencional - o melhor da tradição realista deformada pela urgência visceral dos sentidos.
Manuella_3 18/02/2014minha estante
Arsênio, tenho muita vontade de conhecer a obra do autor. Mas sempre que leio uma resenha de seus livros, especialmente tão profunda como a sua, fico imaginando que ainda estou verde para compreender todo esse universo, toda essa densidade, e que, possivelmente, não consiga aproveitar o melhor do livro.
Lerei como apaixonada pela literatura, então, para conhecer Faulkner e tentar identificar toda essa riqueza que você me conta.
Excelente resenha!


Renata CCS 18/02/2014minha estante
Arsenio,
Obrigada por compartilhar tamanha sensibilidade!
Grande abraço.


DIRCE 27/02/2014minha estante
Depois de ler essa resenha, quero "crescer" logo.


Ricardo Rocha 03/11/2016minha estante
que falta vc faz... to relendo o capítulo 3. talvez releia tudo...


Maria 30/09/2019minha estante
Eu também não escapei incólume. Já havia lido "Absalão, Absalão" e compreendido o porquê Faulkner é considerado um gênio. "Luz em Agosto" entrou para os meus favoritos. "Ler Faulkner é conhecer a dor do próximo, e se ver nela..."Exatamente assim...




Flávia Menezes 03/11/2022

CLUBE DOS REJEITADOS: A GRÁVIDA, O MESTIÇO E O PASTOR TRAÍDO
?Luz em Agosto?, publicado em 1932, é um romance gótico sulista e modernista do escritor norte-americano William Faulkner, no qual o autor se muniu de muita coragem e ousadia para penetrar no coração do puritanismo e do racismo americano, para desnudá-lo de tal forma, que acabou por torná-lo um dos mais poderosos romances do século XX.

A cada página, vamos nos encantando com essa prosa carregada de genialidade narrativa, onde, sem nenhuma ordem, e frequentemente interrompida por longos flashbacks e constantes mudanças de focos narrativos, os fatos vão emergindo de forma interposta, por meio de conversas, onde Faulkner permite que diferentes personagens possam emprestar sua voz com os seus próprios costumes idiomáticos sulistas. Ao contrário de em ?O Som e a Fúria?, em ?Luz em Agosto? o autor não conta somente com a narração em fluxo de consciência, mas também incorpora o diálogo e um narrador onisciente em terceira pessoa que desenvolve a história.

Ler Faulkner nunca será uma experiência simples, pois essa sua fala poética, filosófica de vertente existencialista, carregada de simbolismos, é bastante trabalhosa, e muitas vezes precisamos ler várias vezes o mesmo parágrafo para entender o que ele quis dizer. O que faz desse livro um momento de imersão e total abandono ao ato da leitura. Mas não é assim que deveríamos nos entregar às nossas leituras?

E entre metáforas e extremismos (luz-escuridão, bem-mal), racismo e puritanismo, mergulhamos na vida de três personagens: Lena Grove, uma jovem que engravida e é abandonada pelo pai do seu filho, saindo à sua procura; Joe Christmas, um homem que é entregue a um orfanato pelo próprio avô e passa a vida acreditando ter sangue negro correndo pelas suas veias; e o reverendo Gail Hightower, que passa uma vida toda obcecado pela morte do avô na Guerra de Secessão, e é para sempre atormentado pelo fantasma da esposa misteriosamente morta em um de seus momentos de escapadas extraconjugais.

Uma das coisas mais brilhantes da escrita do Faulkner é como ele desenvolve seus personagens. Sua construção não se restringe à personalidade e uma história de vida pregressa. Ele vai tão além, que há momentos em que você sente vontade de parar, pegar uma caneta e papel, e desenhar a árvore genealógica para compreender todos os enlaces que envolvem a ancestralidade dos personagens.

Um outro ponto de genialidade da construção dos personagens do Faulkner, é que não existem vilões e mocinhos. Nessa vertente existencialista do autor, seus personagens são tão reais, que você consegue ver a humanidade deles pulsando a cada momento em que suas vidas são esmiuçadas de tal forma, que chega a ser doloroso.

Houve um momento da leitura, onde a vida do personagem Christmas era contada, que eu tive que parar por um instante para me recuperar da intensidade das emoções que me foram despertadas pelas crenças que ele tinha de uma vida onde não era possível amar, porque amar era mais doloroso do que o odiar, ou ferir. De fato, amar para ele era ser ferido, e mortalmente. Mas não é o amor um ato de morrermos para nós mesmos, para o nosso egoísmo, e nos voltarmos às necessidades de um outro?

Aliás, esse tema, o amor, é algo bastante explorado neste livro, mas não pelo olhar romântico, e sim, pela visão dos vínculos relacionais.

Eu tenho essa visão de um Faulkner existencialista, mas também há nele essa consciência sistêmica, onde aqueles que nos precedem são tão importantes a ponto de estarmos ligados às suas vidas por vínculos indissolúveis. Tenha havido amor ou afeto, ou não. De fato, para Faulkner, seus personagens são parte daqueles que lhes deram a vida, que o autor não poupa esforços para desenvolver histórias familiares muito bem construídas, incluindo as sinas que se passam de gerações para gerações. O que até me fez lembrar do livro que li recentemente, que fala sobre a hereditariedade dos traumas familiares, que já são comprovados cientificamente. E me remeter a um livro como esse, só comprova o nível de maestria de William Faulkner.

Por isso é tão difícil não criar empatia com cada um dos personagens. Sejam eles bons ou não, estúpidos ou não, o fato é que essa simplicidade sulista impressa em uma vida de sofrimentos tão reais, banhados a crenças, rejeição e abandono, nos faz sentir como se estivéssemos sendo colocados de frente a um espelho, e cada personagem pudesse refletir, de algum jeito, e em alguma profundidade, cada uma dessas emoções e sentimentos que também existem em nós.

Não é à toa que Albert Camus admirava tanto Faulkner, pois nessa facilidade para tecer a realidade em suas obras, a sua personagem, Lena Grove, em sua comovente teimosia em prosseguir indo atrás de um homem que a abandonou grávida, faz uma verdadeira alusão ao absurdo da existência que Camus tanto defendia.

Existem muitas partes desse livro que me tocaram profundamente, e me levaram até às lágrimas, ou que me provocavam aquela dor interna de quando um sofrimento transpassa a nossa alma, mas existe uma relacionada à Lena Grove que me deixou bastante tocada, e eu a reproduzo aqui para compartilhar sua emocionante profundidade: ?Quando eles dão o fora em você, você simplesmente pega seja o que for que eles deixaram e vai em frente?. Não é profundo isso?

Escolhi essa parte em especial, porque apesar da rejeição, desrespeito e até do mau-caratismo que se escondem nessas linhas, ela também revela a força que existe naquele que é desprezado, mas que pega o que a vida lhe ensinou, e segue em frente de cabeça erguida. Esse é o ponto chave da história, e da nossa vida: quando aceitamos o passado tal como ele é, estamos prontos para viver o presente, e prosseguir e progredir!

Além do amor, um outro tema que se esconde em cada página é o da identidade. Ser e pertencer a uma família é o que compõe as raízes da nossa existência, e sem elas, não temos como nos manter fortes, e nem firmes para darmos origem aos nossos próprios frutos. E nessa história, essas raízes são detalhadas de forma que podemos compreender cada ato desses três personagens principais. Mesmo sem concordar, apenas somos guiados a compreendê-los.

Escrever uma resenha sobre um livro de William Faulkner é uma tarefa muito difícil, pois a sua obra é tão rica que seria necessário redigir vários artigos para conseguir abranger cada metáfora, cada fenômeno, e cada temática expressa nessas páginas. Algo que não estaria ao alcance dos reles conhecimentos dessa pobre marquesa, mas que ainda assim, vem aqui com coragem e tenta descrever em algumas poucas palavras essa experiência de leitura que nos leva de encontro de nós mesmos, e das nossas mais secretas verdades, sobre quem realmente somos.

Esse é o poder de William Faulkner, que eu espero que um dia você também possa se abrir para experienciar ao seu jeito, ao seu tempo, e com a mais brava atenção para cada sentimento que começará a emergir.
Francisco 03/11/2022minha estante
Ótima resenha!. Gostei muito das passagens que tratam do autor. Hoje mesmo iniciei um livro o do autor "Absalom! Absalom!" e percebi tratar-s de um grande desafio ao leitor.


Flávia Menezes 03/11/2022minha estante
Obrigada, Francisco! Faulkner não tem uma linguagem fácil, mas é uma excelente experiência de leitura. E esse que você iniciou, ?Absalão, Absalão?, será o meu próximo dele!!! Vou acompanhar as suas impressões.


Francisco 03/11/2022minha estante
Está sendo muito recompensador lê-lo. Também acompanharei suas impressões sobre o livro durante sua leitura.


Fabio 03/11/2022minha estante
Como assim eu perdi a entrada da resenha?! Foi corrido hoje!!!
Mas vamos ao que importa...para variar um pouco, uma resenha maravilhosa! Chega a dar vontade de parar tudo, e começar a devorar um Faulkner!
Eu ainda não li este livro, mas com toda a certeza vai para a minha lista pós maratona King,. Graças as suas resenhas eu tenho dezenas de obras para ler o ano que vem, principalmente os clássicos americanos... e espero companhia!!!


Flávia Menezes 03/11/2022minha estante
Nossa lindo, muito obrigada!!! Fábio obrigada mesmo pelas palavras! E eu vou ficar muito honrada mesmo com a sua companhia. Será ótimo poder ler clássicos com você! E quem sabe?primeiro um Faulkner, hein?


Fabio 03/11/2022minha estante
Claro que pode ser um Faulkner!!! A honra e toda minha, vc sabe linda!




Pedro Henrique Müller 21/12/2020


a memória acredita antes mesmo de o esquecimento conseguir se lembrar. a memória ainda me faz acreditar num tempo maior, porque é um tempo que recorda. um tempo maior do que o conhecimento pode imaginar. eu reconheço. reconheço porque me lembro, conheço, imagino, acredito.

é assombrosamente bela a forma como Faulkner compõe o seu perverso mundo sem luz. sem luz em agosto, sem luz em dezembro, sem luz em mês nenhum. talvez alguns lampejos de velas sebentas, derretendo no fundo de um celeiro soturno, onde o que se vê é muito pouco: um banco com uma bíblia, um olho de cavalo, um corpo jorrando sangue escuro.
A narrativa vai se espalhando como uma poça de óleo.
É possível distinguir algumas figuras, certos tons, mas é impossível fixar uma forma.
Toda forma é um pouco falsa. Faulkner constrói seus monstros de barro e derrete, arruma e bagunça tudo com muita raiva e paixão.

sobre Luz em Agosto ele disse:

"no Mississippi há alguns dias em agosto, quase no meio do mês, que transformam-se subitamente numa espécie de antecipação ao outono, e a luz adquire uma tonalidade fria, ofuscante, suave, luminosa, como se não viesse de hoje mas dos tempos antigos e clássicos. Deve haver faunos e sátiros e deuses e – da Grécia, do Olimpo, nisso tudo. Dura só um ou dois dias, e então se vai... o título fez com que eu lembrasse desse tempo, de uma luminosidade mais velha que a nossa civilização cristã"

somos muito antigos.

que maravilha é ler o Faulkner
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Paty 10/04/2015

Faulkner é um autor para ser lido devagar, saboreando cada parágrafo, cada frase. Sua escrita não é apenas bonita, mas ela dá a impressão de ter sido montada, palavra por palavra, cada peça em seu devido lugar.
Leiam!
Ren@t@ 10/04/2015minha estante
Você sumiu. Viajando a trabalho novamente?


Paty 14/07/2015minha estante
Sempre! ;)




Alexandre Kovacs / Mundo de K 16/05/2010

William Faulkner - Luz em Agosto
Editora Cosac Naify - 440 páginas - Publicação 2007 - Tradução de Celso Mauro Paciornik.

William Faulkner (1897 - 1962), prêmio Nobel de Literatura de 1949 e prêmios Pullitzer de 1955 e 1963 (póstumo), é considerado um autor de referência na literatura norte-americana do século XX e um dos novelistas mais influentes em toda a prosa mundial, tendo sido definido como "o mais notável romancista de nosso tempo" por Jorge Luis Borges.

Luz em Agosto, publicado originalmente em 1932, é o resultado de uma narrativa não linear e polifônica que tem como personagem central Joe Christmas, um branco que acredita ter sangue negro, atormentado pela falta de identidade e sofrendo todo tipo de violência e intolerância racial no sul dos Estados Unidos. A narrativa secundária tem como base a adolescente orfã Lena Grove que vem do Alabama para o Tennessee procurando o homem que a abandonou grávida. Sua chegada coincide com o assassinato de Joana Burden, de quem Christmas foi amante.

O reverendo Hightower, um homem que foi abandonado no passado pela preconceituosa sociedade local da cidade de Jefferson, devido à morte da esposa adúltera, funciona como elo de ligação entre os personagens. No desenvolvimento da narrativa adivinhamos o martírio e o final trágico de Joe Christmas (o nome do personagem é uma referência clara a Jesus Cristo) que não conseguirá escapar do seu destino.

Marçal Aquino resume bem na Introdução do romance: "Há escritores que escrevem grandes livros. Há outros mais raros, que instauram mundos. William Faulkner pertence a essa linhagem (...) É nesse ambiente de fracasso, culpa, preconceito e fanatismo religioso que se debatem os personagens de Luz em Agosto, todos em busca de seu lugar num mundo que reservou para eles apenas um destino trágico".

Vale ressaltar o trabalho primoroso de edição da Cosac Naify que, como sempre, sabe valorizar a obra e o leitor. Uma editora que parece insistir em nos fazer acreditar que o Brasil é um país que poderia dar certo.
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jota 27/02/2015

Meu quarto Faulkner
Em grande parte do Brasil (ainda) se diz que agosto é mês de cachorro louco. Mas no sul dos EUA de William Faulkner parece que são as pessoas que enlouquecem em agosto ou então nesse mês ficam um pouco mais doidas do que são naturalmente no resto do ano.

Luz em Agosto é denso, perturbador, estranho, mas também é (ficou sendo para mim) um livro muito mais palatável e interessante do que o incensado O Som e a Fúria, por exemplo.

Além dos personagens ímpares que constrói e mergulha em dramas épicos (muitas vezes iluminados por lamparinas de querosene), Faulkner traz as coisas para tão perto do leitor que, entre outras coisas, dá quase para sentir o cheiro do suor azedo dos personagens, ver o “sangue negro” que brota do ferimento de um deles, ficar nauseado com o hálito podre que emana das bocas de outros etc.

No sul dos EUA tem Tom Sawyer mas também tem muito menino que logo que nasce vira Joe Christmas. Culpa do calor infernal de agosto que faz por lá, do excesso de religião, do racismo, do uísque fabricado clandestinamente...

Lido entre 18 e 26/02/2015.
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Roberto 15/05/2023

Uma luz que cega
Um livro sobre personagens atrás de seus sonhos e aspirações, em um lugar que não dá a mínima para os caprichos de ninguém, mas mesmo assim eles seguem tentando nem que isso os destrua
Como no caso das protagonistas, a jovem Lena Grove, que foi abandonada pelo marido ainda grávida, mas foi em uma viagem atrás dele para poderem viver juntos
Joe Christmas, um orfão ressentido com a sua origem e que por isso escolheu viver na criminalidade
Faulkner narra minuciosamente a vida no interior, nos transmitindo toda a beleza dos vales e fazendas, mas tambem nos mostrando a estagnação do lugar, tanto do ambiente, como casas encardidas, choupanas caindo aos pedaços e cheias de fungos, pó e ferrugem, e na vida dos cidadãos, sempre destruindo suas vida e a de outros ao redor por instintos primitivos, como vícios em álcool , ganância e fanatismo
O livro jamais se torna gordo porque a narrativa de Faulkner é bem seca e direta, porém ele não subestima o leitor, necessitando de extrema atenção em lembrar dos muitos personagens da história, todos eles muito bem escritos e parecem viver e respirar, e no maior desafio, que é não se perder no fluxo de tempo durante a leitura, algumas vezes indo e voltando na narrativa
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Edson Lima 19/06/2022

Entre 1929 e 1936, Faulkner publicou cinco romances que permanecerão entre os mais significativos da literatura americana do século XX (O som e a fúria, Santuário, Enquanto Agonizo, Absalão! Absalão!, e Luz de agosto), William Faulkner causou uma onda de choque nos círculos literários norte-americanos, transformando o brilhante escritor sulista em um verdadeiro ícone, pelo qual qualquer autor com a ambição de fazer grande literatura não poderia, é certo, deixar de medir si mesmo, afundando em determinado momento em sua própria sombra.

Uma história na tradição do romance noir americano e que, adotando desde o início um ponto de vista onisciente bastante clássico, buscando traçar o caminho errático de Joe Christmas, mestiço, autor do homicídio voluntário de uma mulher branca. Crime tanto mais hediondo e inexplicável quanto ela, Joanna Burden, digna descendente de uma linha de ianques perdida no sul profundo, fervorosa defensora dos direitos civis dos negros libertos e vítimas por sua vez da hostilidade da comunidade de Jefferson ( cidade fictícia criada e localizada por Faulkner perto de Memphis), terá dedicado a maior parte de sua vida a apoiar a emancipação da comunidade afro-americana abandonada à sua sorte desde a derrota no sul de 1865.

Assassinato sem outra razão possível além de razões enraizadas na psicologia e traumas e humilhações sofridas por Joseph Christmas no contexto de extrema violência racial vigente nos estados do Sul, aqui o Mississippi nativo do escritor, onde seu personagem havia nascido, apenas para ser rejeitado e abandonado pelos brancos de sua mãe família. Clima de violência finalmente incentivado pela onda de puritanismo que varreu o país, levando, entre outras coisas, durante a década de 1920 à Lei Seca, a era de ouro dos contrabandistas, do crime organizado e da Ku Klux Klan.

O romance de Faulkner pensado de forma mais “clássica” em seu formato. A obra expõe a violência da sociedade retratada, puritana, racista, não aceitando a alteridade nem entre raças nem entre os sexos, baseada no ódio do outro e, em última análise, o ódio a si mesmo. Um livro que marca, realmente.

Faulkner, considera que não há como fugir de nossos papéis no mundo, atribuídos a nós por quem e pela terra que nos produz e o indivíduo ao tentar fugir acaba por se isolar, ainda que a possibilidade de redenção sempre pareça perto de nós, como uma estrela.
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Diego Rodrigues 22/10/2023

"O homem realiza, inventa, muito mais do que poderia ou deveria ter de suportar. É assim que descobre que não consegue suportar nada"
Publicado originalmente em 1932, "Luz em Agosto" forma, ao lado de "O Som e a Fúria" e "Absalão, Absalão", a tríade máxima da obra faulkneriana. Ambientado na cidade fictícia de Jefferson, no sul de um EUA marcado pela segregação racial e pela religiosidade fervorosa, o romance narra dois dramas paralelos que irão convergir a certa altura da narrativa. Viajando em condições precárias desde o Alabama, a jovem Lena Grove chega ao condado em busca do pai da criança que carrega no ventre. Por ali também vive Joe Christmas, um homem atormentado por fantasmas de um passado marcado pela violência e pela incerteza de suas origens.

Não foi leitura das mais fáceis! Tanto pelo tema, quanto pela estrutura narrativa. Para contar a história, Faulkner alterna entre fluxo de consciência, diálogos e um narrador onisciente. Não raras vezes um mesmo fato é narrado de diferentes perspectivas, com as particularidades que cabem a cada personagem, sem contar os inúmeros flashbacks. O início pode ser meio vertiginoso, leva um tempo pra se acostumar, mas aos poucos a leitura começa a fluir. Outro ponto é que este é um livro sem filtros e que irá tratar a violência e o racismo com toda a brutalidade da vida real. Algumas passagens podem ser bem indigestas, mas, apesar do realismo duro, Faulkner ainda consegue tirar alguma poesia desse pântano de dor e sofrimento.

Personagem é outro ponto que vale destacar. Aqui, cada um deles é ricamente construído, com traumas, imperfeições e motivações extremamente humanos. Ao longo de todo o romance, eles irão lidar com questões existenciais e dar diferentes respostas a um mundo cruel e implacável que, ainda sob as cicatrizes da Guerra Civil, não deixa de conversar com o nosso contexto, afinal, acaba por tratar de questões universais. A religião também desempenha papel fundamental na obra. Aqui veremos como as escrituras sagradas podem ser deturpadas e se tornar licença para cometer barbaridades nas mãos de pessoas doentias. Parece que há também toda uma alegoria cristã em torno do romance, tanto em suas personagens quanto em sua estrutura. Mas aí já não tenho propriedade pra falar...

É um livro que evidencia as hipocrisias que impregnam a nossa sociedade e as "manchas" de um passado que parece longínquo, mas que molda muito do que somos hoje, tanto como indivíduos, quanto sociedade. Com um quê de tragédia grega, vemos aqui os personagens tentando escapar ao seu destino e quebrar elos com um passado calcado em erros ou, em alguns casos, sangue derramado. Mas, quebrar essa corrente não é assim tão simples, afinal, atos de ódio tem um incrível poder de ecoar e atravessar gerações, ou até mesmo envenenar toda uma sociedade. "Luz em Agosto" é um romance duro de ser lido e desafiador em sua estrutura e, assim como todo livro difícil, recompensador em sua leitura.

Com tradução de Celso Mauro Paciornik, a edição da Cia. das Letras traz ainda um texto do escritor e jornalista brasileiro Michel Laub, onde o mesmo evidencia o quanto Faulkner, algumas vezes conservador e até mesmo racista, transcende a si mesmo ao conceber um romance que é uma denúncia contra a asfixia social e racial: "trata-se de outro elemento autobiográfico, talvez o mais importante em Faulkner: a firmeza de manter os olhos abertos diante de um horror que também estava dentro de si mesmo."

site: https://discolivro.blogspot.com/
@quixotandocomadani 23/10/2023minha estante
Adorei a frase que vc usou de título. E Faulkner é confuso mesmo no início. Achei que era só O som e a fúria, mas pelo visto nesse tbm é. É desafiante, mas gostoso. Rs


Diego Rodrigues 24/10/2023minha estante
É bem isso, Dani! O que eu achei mais "tranquilo" dele até agora foi "Enquanto Agonizo" e mesmo assim tem suas peculiaridades.. Mas, como vc disse, é sempre uma leitura desafiante e gostosa rs




Guilherme Amin 21/12/2023

Das trevas à redenção
Faulkner é um escritor que todos deveríamos conhecer.
Escolhi ?Luz em agosto? para começar porque é um de seus romances mais acessíveis.
Acessível sem ser fácil, e a densidade do texto nos obriga a ler devagar e atentamente, como tem de ser. Disso o leitor pode extrair grande prazer estético, pois a forma é um dos pontos altos do livro.
As personagens são marcadas por estigmas, marginalização e violência, um componente melodramático que é muito bem temperado com a prosa modernista. Esta inclui recuos e avanços inesperados no tempo, cujos efeitos são surpreendentes e fascinantes.
E, ao cabo de uma longa história de sofrimento, somos reconfortados com um final emocionante.
Gustavo Kamenach 21/12/2023minha estante
Ótima resenha, Guilherme! Me instigou mais ainda a conhecer a escrita de Faulkner!


Flávia Menezes 21/12/2023minha estante
Bela resenha, amigo! Descreve bem o ?efeito Faulkner?. ??


Vania.Cristina 21/12/2023minha estante
Quero ler esse!




Ricardo Rocha 19/10/2011

talvez já tenham falado disso mas eu só ontem, natal, percebi em plenitude: tanto lena quanto joe são referencias do nascimento e paixao de cristo, do modo inacreditável de contar de faulkner. há capítulos que mostram a paixão de modo doloroso, como o 10, e o úlitmo o natal, também triste, mas com um que de esperança na bondade. de resto, a forma de narrar, onde sempre alguém está vendo a cena, alguém que ouviu dizer, alguém que imaginou, que passou diante, etc, é a forma mais completa de monólogo interior, quase se poderia dizer monólogo "exterior" mtas vezes, o que sempre dá um quê de veracidade ao que é descrito. acho que não é ousadia demais dizer que é o melhor livro jamais escrito

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/---Típico Faulkner contra a cronologia e a limitação da onisciência sentado na sua torre de vigia, que péssimo vigia é grande escritor. Talvez pense: Para quem ousou tudo em O som e a fúria, Luz de Agosto soe até simples. E é, no final das contas. Um estirão natural do gênio. Foi mais longe do que talvez tivesse imaginado. As camadas de tempo se sobrepõem e as personagens não são sufocadas, antes se enriquecem. Lena e Bunch, Christmas e a senhora Burden, os incêndios ao longe e as paisagens comuns admiradas como se fossem algo extraordinário, porque no fundo ninguém está à procura de nada exceto ver o mundo como é, contemplar a vida, o mais longe que der. Ora, ora, o tanto que a gente vive...


Nanci 25/12/2016minha estante
Ricardo, quer ficar de bem?!
Gosto tanto do Faulkner... sinto falta das conversas com Arsenio sobre seus livros... É sempre uma alegria ler seus comentários sobre a obra do Faulkner, porque você, a cada releitura, descobre um novo ângulo daquelas fortunas... Obrigada!


Ricardo Rocha 26/12/2016minha estante
eu não to de mal. to zangado mesmo. aquilo não se faz...
mas se vc fala do arsenio, aí me desmonta...


Ricardo Rocha 26/12/2016minha estante
to te adicionando, bem-vinda =)


Wagner 26/12/2016minha estante
parabéns Ricardo.
Todo leitor tem que ter uma Nanci em sua vida.


Ricardo Rocha 27/12/2016minha estante
wagner vc me mata de rir... to rindo hah uns cinco minutos... obrigado amigo... aliás vejo que vc também comenta a freeborn no instagram, menino... =)
boa semana!




Gabi.Maia 21/10/2023

Lugar no mundo, auto aceitação e segregação racial
Meu terceiro livro do autor e mais fácil de ler exceto pelo capítulo 20. Acho que levei um mês pra ler o livro todo e 15 dias só no capítulo 20, lendo e relendo e tentando entender.

Ler esse livro em grupo ajuda muito e tbem ir lendo as análises de cada capítulo no Spark Notes. Essencial!

Como os demais livros do autor, o livro não segue uma ordem cronológica, trazendo cap que seguem a linha do tempo do decorrer da história entremeados
por tantos outros cap que contam a história pregressa dos personagens.

Essa construção revela como a criação, a história de família e as relações na infância influenciaram comportamentos e decisões da história principal contada ao longo do livro, mas tbem de histórias paralelas dos personagens que tem suas histórias cruzadas na cidade de Jefferson no Mississipi.

Sendo passada nos EUA por volta de 50 anos após a guerra de secessão e no Sul do país, a segregação racial é bem marcada, aparece forte e chocante. Penetra de forma explícita ou não em cada parte desse livro intenso. Se mistura a história do personagem principal, o Christmas, que foi colocado na porta de um orfanato na véspera do Natal quando era bebê. E faz parte das reflexões quanto ao seu lugar no mundo e dentro dele mesmo.
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Jose506 21/03/2023

O Dilema de Christimas
"Luz em Agosto" de William Faulkner é um romance complexo e multifacetado que explora temas como racismo, identidade, religião e moralidade no sul dos Estados Unidos. O livro conta a história de vários personagens, incluindo Joe Christmas, um jovem branco que acredita ser descendente de afro-americanos e que é assombrado por seu passado.

O dilema de Joe Christmas é central para a trama do livro. Ele é um homem atormentado pelo medo de ser descoberto como alguém que não se encaixa nas expectativas sociais da época em que a história se passa. Por ser branco, ele não é aceito pela comunidade negra, e por acreditar ter sangue negro, é discriminado pela comunidade branca. Ele é forçado a viver em uma espécie de limbo racial, sem uma identidade clara.

Ao longo do livro, vemos Joe tentando se encontrar e descobrir sua verdadeira identidade, enquanto lida com as dificuldades impostas por sua condição racial. Ele tem relacionamentos turbulentos com mulheres, é perseguido por um policial racista e acaba cometendo um assassinato que o leva a uma fuga desesperada.

O livro apresenta uma análise profunda da sociedade sulista da época e do racismo que permeava todas as camadas da sociedade. Através da história de Joe Christmas, Faulkner nos mostra como a questão racial era um dilema moral e existencial para muitos indivíduos na época, e como isso afetava suas vidas de maneiras profundas e dolorosas.

Em resumo, "Luz em Agosto" é um romance complexo e desafiador que aborda questões profundas de identidade, racismo e moralidade. O dilema de Joe Christmas é apenas um dos muitos aspectos fascinantes do livro, que é um dos trabalhos mais importantes da literatura americana do século XX.
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Mario Miranda 14/05/2020

Faulkner é uma leitura não-trivial: com sequências não-temporais em sua narrativa, frequentemente a obra se inicia em um ponto muito distante ao que a narrativa se desenrolará nas próximas páginas. E em Luz em Agosto (1932). Obra escrita quando o autor já tinha conquistado prestígio, Sartoris e O Som e a Fúria foram lançados em 1929, aborda um tema central no pensamento do autor: a fuga do Ser-Negro.

A obra se inicia com a peregrinação de Lena atrás do namorado que a engravidou, Lucas Burch, ela sai do Alabama a pé em direção ao Mississipi. Por uma confusão de dicção, ela vai parar em uma Serralheria onde trabalha Byron Bunch e que, coincidentemente, trabalhou ali o seu namorado, agora com o nome de Joe Brown. Bunch apaixona-se pela grávida, e acaba amparando-a enquanto o seu ex-namorado, Brown, foge deste relacionamento.

A narrativa aí é interrompida e inicia-se a saga de Joe Christmas, colega de contrabando de álcool de Joe Brown. Christmas é um personagem de origem desconhecida, mas com uma ascendência negra (1/8 de Sangue Negro). Aqui, Faulkner denota todo o preconceito racial sulista, próximo a teses Eugênicas que se disseminariam ao longo daquela década: o 1/8 de sangue negro do personagem seria o suficiente para degenerar o homem, tornando-o "negro". Christmas não aceita a sua condição de "negro", e persistentemente foge de si próprio, até encontrar um sentimento de amor indiferente a sua genética. Joanna Burden é a última mulher de uma família de abolicionistas, que acaba apaixonando-se pelo "negro" Christmas. Este, em seu último suspiro negacionista, acaba assassinando a senhora Burden.

As duas narrativas, Leda/Christmas, se encontram paralelamente na cidade de Jefferson, sem terem uma conexão direta em si. Faulkner consegue trabalhar a narrativa em duas vertentes sem que haja perda da qualidade e do interesse do autor. A temática da fuga/racismo do homem "meio-negro" retorna novamente em "Absalão" Absalão!", outro grande clássico do autor.

Para uma releitura moderna deste tema, Philip Roth escreveu a magistral "A Marca Humana", que também narra a não-aceitação do indivíduo de sua genética parcialmente negra.
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