spoiler visualizarAdriana Pereira Silva 04/08/2019
A vida real, sem véu
A VIDA REAL, SEM VÉU
Nada é uma novela, consagrada como clássico-moderno, que foi publicada pela primeira vez em 1944 na Espanha, no pós-guerra, sendo premiada com o Nadal de Literatura, tendo sido influenciada pela corrente do tremendismo, que se caracteriza pela visão pessimista e violenta da existência humana e tendo seus personagens retratados com suas facetas mais repugnantes, como resultado de uma realidade miserável e cruel.
Narra a ida de Andrea, uma jovem de 18 anos, para Barcelona (Espanha) na década entre 1930 e 1940, onde se instala na casa de sua avó, onde morava com os dois filhos, a nora e a empregada. Foi morar nesta cidade a fim de cursar a faculdade de Letras.
Sua passagem por Barcelona foi marcada por muitas inquietações, desassossegos, desilusões, tristezas e tragédias na vida de cada personagem e, em especial, de Andrea. Tudo vivido por Andrea em silêncio, sem palavras ditas e contadas a ninguém. Tudo guardava com ela.
Ao chegar na porta da casa de sua avó, na rua Aribau, seus desejos e sonhos por uma vida melhor, por um futuro cheio de boas novas começa a cair por terra. Depara-se com um ambiente bagunçado, sujo e muito simples, além de muita tensão psicológica, provinda dos problemas materiais e psicológicos de cada um dos personagens desta casa, exemplos de uma classe média fracassada e empobrecida pela guerra.
Desde o primeiro momento, Andrea sente-se um peixe fora d?água, ficando incomodada com a sujeira e bagunça da casa. Além disso, seus tios e tia eram grosseiros, mal-educados, brigões e muito acomodados diante da vida.
Andrea acaba se identificando com a esposa de seu tio Juan, Glória. Também com seu tio Román, que a tratava com afabilidade, sendo educado e solícito com ela, e por quem tinha grande carinho.
No decorrer desta obra, Andrea descreve minuciosamente os ambientes em que vive e convive, além das ruas que frequentava em Barcelona. Mas também relata, com detalhes as situações em que passa de penúria material, social e emocional diante de seus familiares e amigos de faculdade, e a vergonha que sente de suas roupas velhas, o sentimento de inferioridade e inadequação provocados pela pobreza e a superficialidade de seus relacionamentos. A pobreza e a constante repressão dos familiares ecoam no seu comportamento, resultando em uma visão infeliz de si mesma, mesmo que, intimamente, ainda sinta-se esperançosa.
Dentro de casa, todo acontecido se transformava numa grande tempestade, como quando deu um lenço que havia ganho de primeira comunhão, a sua melhor amiga Ena, em agradecimento por tudo que ela lhe fazia. Seus parentes viram que o lenço havia sumido e foi grande a balburdia devido a isso.
?Qualquer alegria da minha vida teria sempre uma contrapartida desagradável? (p. 75).
No entanto, a vida de Andrea eram só momentos desagradáveis, sentindo-se cada dia mais sozinha, infeliz, incomodada, vivendo num ambiente frio, sem vida, cheio de dureza e desconforto físico e emocional, sentia-se apática a tudo.
?Ninguém nesta casa precisa de amigos. Aqui nos bastamos a nós mesmos? (p. 86).
Sua convivência com todos e suas personalidades não ajudam em nada.
Sua avó era uma pessoa doce, que não se queixava de nada e sempre protegia a todos, via o lado bom de cada um apenas, sempre pisando em ovos para ajeitar tudo e não gerar confusão com cada um dos membros de sua família e entre eles, inclusive.
Tia Angústias, uma mulher revoltada com a vida, que despejava seu amargor em cima de todos, fazendo a vida de todo mundo virar um inferno. Mas, por já estar debilitada pela idade não consegue mudar o rumo descontrolado da família.
?Percebi que eu podia suportar tudo: o frio que atravessava min há roupa surrada, a tristeza da minha absoluta miséria, o surdo horror daquela casa imunda. Tudo, menos sua autoridade sobre mim [de Angustias]. Foi aquilo que me sufocara ao chegar a Barcelona, o que me fizera cair na apatia, o que abortava as minhas iniciativas; aquele olhar de Angustias. Aquela mão que tolhia meus movimentos e minha curiosidade pela vida nova? (p. 97).
Tio Juan era uma pessoa assolada pela loucura, brigando com todos, maltratando a todos e especialmente sua esposa Glória, em quem despejava toda sua raiva e a culpava por tudo que acontecia, com maus tratos verbais e físicos, e tudo na frente de seu pequeno filho, que a tudo presenciava.
Glória era uma mulher que tentava melhorar a vida de todos em jogos, para trazer dinheiro para casa, era infeliz e maltratada pela vida e por Juan e Angustias, que não gostava dela de jeito nenhum.
Tio Ramón era uma pessoa que tentava a todos submeter a ele psicologicamente, gerando confusões a fim de se tornarem mais transtornados, tudo em prol de submissão a ele e serem atormentados mentalmente.
Ena, sua melhor amiga, era uma pessoa doce mas também desassossegada com a vida, acabando, com o tempo, distanciando-se de Andrea por causa disso, deixando-a sozinha em meio a tão difícil vida que vivia.
O tempo vai passando, e com ele Andrea vai se angustiando e se decepcionando mais com a vida e as pessoas, sofrendo com a fome que passava.
?... eu comecei a perceber que as grandes contrariedades são muito mais fáceis de suportar que as pequenas ninharias de cada dia? (p. 144).
Ena descreve exatamente o que era e passava Andrea: ?... eu sei, que passa dias sem comer e deixa de comprar a roupa que precisa só pelo prazer de fazer agrados de milionária aos amigos por três dias. Se eles soubessem que você gosta de zanzar sozinha de noite. Que nunca soube o que quer e que sempre está querendo algo...? (p. 157).
E assim descreve Andrea sobre si mesma num momento: ?Ia andando como se percorresse o próprio caminho da min há vida, deserto. Olhando as sombras das pessoas que escapavam de mim sem que as pudesse pegar. Desembocando a cada instante, irremediavelmente, na solidão? (p. 211). E continua: ?Alguns nascem para viver, outros para trabalhar, outros para olhar a vida. Eu tinha um papel pequeno e insignificante de espectadora. Impossível sair dele. Impossível me libertar. Minha única realidade naqueles momentos era uma tremenda angústia? (p. 212).
Narra a vida como ela é. Ao passar para a fase adulta, mostra a realidade que a vida apresenta a ela, sem véu, sem dó, nua e crua a vida, sem chances de ser feliz, é o que observa em todos ao seu redor e com ela.
?Eu então percebia, pela primeira vez, que tudo segue, desbota, estraga enquanto a vida continua? (p. 237).
E assim segue esta maravilhosa obra, mostrando o lado obscuro de cada um e a vida que é apresentada a cada um.
?Em poucos dias a vida estava se mostrando muito diferente de como eu imaginara até então. Complicada e ao mesmo tempo muito simples. Pensava que os segredos mais dolorosos e mais zelosamente guardados são talvez os que todos ao nosso redor conhecem. Tragédias tolas. Lágrimas inúteis. Era assim que a vida começava a me parecer então? (p. 251).