DIRCE 12/06/2016
"Pecado Mortal" , ou ferir também é um meio de poupar a dor?
Sempre que me deparo com uma obra que trata de uma cultura diferente da nossa, me debruço sobre ela com um olhar apaixonado e foi com esse olhar que iniciei a leitura de “ O último amigo”.
A ação do livro do livro ocorre na década de 60 na cidade de Tanger (Marrocos) estendendo-se até a década de 90, e as narrativas são feitas por 3 vozes: as de Ali, Mamed e Ramon.
É Ali , um dos protagonista, quem, no capítulo I, abre a narrativa expondo a trajetória de uma amizade que teve desde o início, na adolescência, até sua ruptura, décadas após, quando ... ( são tão preciosas as reticências quando não se quer deixar um spoiler). A narrativa de Ali é povoada de detalhes – tanto ao descrever o comportamento abominável do amigo – Mamed - em relação as mulheres, bem como em relação a habitual linguagem de sarjeta por ele empregada, que muito me desagradaram. Cheguei até a cogitar abandonar a leitura, entretanto, avaliações positivas da Nanci e da Ladyce têm que ser consideradas e reconsideradas, de modo que prossegui a leitura.
No capítulo II, a narrativa fica a cargo do Mamed que se confronta com suas lembranças e nos deparamos com uma história totalmente contrária à narrada por Ali.
No III capitulo, é Ramon, testemunha dessa amizade e confidente dos dois amigos, quem desponta como narrador para ,possivelmente com sua imparcialidade, esclarecer as divergências das narrativas dos dois protagonistas, mas que, no meu entendimento, não passou de um mero espectador da infelicidade dos dois amigos.
Uma carta escrita por Mamed surge, no capítulo IV, para desvendar o que realmente sucedera, porém como se costuma dizer: explica, mas não justifica.
No meu entendimento, os motivos expostos na carta por Mamed não passou de uma justificativa para aplacar a sua consciência, uma vez que, em sua narrativa, em vários momentos, ele professa o ciúmes ( inveja?) que nutria pelo amigo. Mamed invejava a cor , a origem ,a cultura, a beleza, a serenidade e audácia de Ali em ser um adúltero (vamos combinar adultério não é para ser invejado) , de forma que me foi impossível descartar a possibilidade de que foi esse sentimento ( a INVEJA) que o levou a magoar o amigo de forma tão ignóbil. Não se poupa alguém de um sofrimento infligindo um sofrimento maior ainda: ferir um homem na sua HONRADEZ. E foi assim que Mamed poupou Ali do sofrimento: ferindo-o. Justo Ali que teve as enternecedoras atitudes de “engarrafar” o vento leste de Tanger e enviar ao amigo acompanhado de uma garrafa com a poeira de Tanger?
Mamed , às paginas 113, faz uma referência a um filme intitulado Pecado Mortal que, supostamente, aborda o ciúmes não como um sentimento inerente ao ser humanos, mas sim como uma patologia porque no filme esse sentimento teria excedido o limite aceitável. Seria esse o maior “ drama” de Mamed – um ciúmes que se tornou patológico? Um Pecado Mortal? Não tive uma resposta concreta para o comportamento de Mamed, mas fiquei feliz por ter prosseguido com a leitura porque se trata de um excelente livro. Nele, Tahar Ben Jelloun não se limita a um “dossiê” de uma amizade rompida ( ou não? ), ele vai muito além: faz uma importante reflexão sociológica e política dos turbulentos anos da Guerra- Fria e também sobre a ética na amizade.
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Diante da minha responsa, me vejo obrigada a editar esta resenha e fazer uma correção.
Não é bem à Guerra-Fria que Tahar Ben Jelloun se reporta no livro. Minha associação a ela se deveu devido a ideologia dos protagonistas e referência ao Marxismo. Nas verdade, está mais para os anos de chumbos vivenciados no Brasil, período tenebroso, que , infelizmente, alguns insanos clamam pelo seu retorno.