rekizone 17/01/2023
I've had Cooper for a day and a half, but if anything happened to him I would kill everyone in this room and then myself
The Wolf at the Door é um livro delicioso de ser lido. Inicialmente, comecei a lê-lo por causa da premissa de "detetive mal-humorado é colocado para trabalhar lado a lado de um lobisomem em uma investigação para capturar um serial killer", mas acabei terminando-o por motivos diferentes. Explicarei.
Primeiro, creio que preciso separar uma sessão inteira dessa resenha para falar sobre o nosso personagem principal: Cooper Dayton. Como apresentações são devidas (e sempre muito bem apreciadas), eis aqui um breve parágrafo introdutório sobre ele: Cooper é um detetive do FBI de 30 e tantos anos que, depois de ter sua vida mudada permanentemente por um encontro com o sobrenatural, se vê sendo transferido para o BSI (Bureau of Special Investigations). E, como diria a Mabê Bonafé, até aí tudo bem. Cooper é ranzinza, fechado, extremamente analítico e leva seu trabalho à sério, mas é possível perceber, mesmo nas primeiras páginas, que tem um forte senso de justiça e que realmente se importa em ver seus casos sendo devidamente solucionados. Contudo, ele ainda assim acaba sendo influenciado pelo meio em que trabalha e por seus colegas ao tomar certas atitudes. Nossa história, no entanto, realmente começa quando ele é colocado para ser o parceiro do Agente Park, um lobisomem, em uma investigação sobre um possível serial killer.
Ao longo do livro, me vi extremamente apegada ao Agente Especial Cooper Dayton. Isso porque ele é o tipo de personagem pelo qual você não consegue evitar senão se sentir profundamente apegado. Cooper é tão humano (trocadilho não proposital), com seus jeitos e trejeitos cativantes, que às vezes eu simplesmente esquecia que ele não existia de verdade. E é por ter escrito um personagem tão bem quanto ele que eu gostaria de parabenizar Charlie Adhara. Para mim, uma das coisas mais difíceis de se fazer ao escrever um livro é conseguir fazer com que seu personagem pareça uma pessoa real, com sua própria história, pensamentos e esperanças, e a autora fez isso maravilhosamente. Cooper é um pouco áspero, tem muitas paredes construídas ao seu redor e evita deixar que as pessoas se aproximem demais para descobrirem como se sente de verdade, mas no fundo é possível ver que ele tem um coração de ouro. Como ele próprio diz, ações falam mais do que palavras, e pequenas ações que para ele passam despercebidas, causam um impacto grande nas pessoas ao seu redor e em nós, como leitores, que conseguimos visualizar os traços de ser caráter.
Uma coisa que me marcou durante a leitura foi o fato de que ele sempre estava disposto a se desculpar quando estava errado, o que é algo que eu pessoalmente admiro. Nutro um desgostar palpável de personagens que machucam os outros e se recusam a se desculpar (ou mesmo a reconhecer seus próprios erros), tudo para manter a trama e o drama do livro a todo vapor. Cooper não é perfeito, ele é um ser humano com qualidades e defeitos como todos nós, e eu o adoro por isso. Amo o fato de que para mim ele parece uma pessoa real, não um simples personagem, e que eu consigo compreender suas motivações, pensamentos, dúvidas etc.
Novamente, parabenizo Charlie Adhara por ter escrito um personagem assim tão orgânico e que não é meramente unidimensional.
Quanto ao nosso outro personagem principal, Agente Park, devo dizer que também gostei dele. Apesar da aparência física forte e grande, ele é um homem (lobisomem?) gentil, sereno, que balanceia perfeitamente todos os lados mais ásperos de Cooper. Quase como o sol que aparece entre as nuvens depois de uma tempestade. Todavia, creio que não consegui visualizar muito de Park fora o que Cooper sabia sobre o homem. (E, levando em consideração que se conheciam há pouco tempo e que o lobisomem ainda possui muitos segredos próprios para serem desvendados, devo admitir que as informações foram rasas). Ainda assim, ele genuinamente se importa com Cooper, e isso é o suficiente para me fazer gostar de seu personagem por enquanto.
Por fim, tenho que falar da escrita do livro. Quando comecei a ler, não esperava que Charlie Adhara fosse tratar de temas tão importantes em seu livro (até porque, quem esperaria isso de um livro cuja premissa de enredo é literalmente "lobisomens e humanos se juntam para desvendar mistérios"? Parece mais uma descrição de um episódio de Scooby-Doo, convenhamos). Ainda assim, fui deliciosamente surpreendida com seu cuidado e zelo ao abordar violências contra minorias (sociais e motivadas pela polícia), bem como o modo como o ponto de vista do Cooper amadurece ao ser confrontado com os seus próprios preconceitos, que podem ser facilmente traduzidos desse mundo de fantasia para o nosso mundo real, envolvendo grupos sociais reais, mostrando assim que Adhara não está alheia aos problemas de nossa sociedade, mas na verdade os expõe e critica, mesmo que por outras lentes.
Gosto que Cooper é um personagem que jamais consideraria a si próprio como preconceituoso, mas percebe as visões de mundo distorcidas que possuía, e se empenha para mudar isso. E gosto ainda mais do fato de que a intenção da autora com Cooper é justamente essa: ter um personagem preconceituoso (contra lobisomens na trama, mas que podemos associar facilmente a minorias da nossa própria sociedade na vida real), que por muitas vezes errou ao insistir em seus preconceitos ao invés de simplesmente escutar o outro. Todavia, é possível ver ao longo do livro, de novo e de novo, como seu preconceito é jogado na sua cara. E no final, ele é confrontado com isso da pior maneira possível e reconhece o quão errado sempre esteve, o quão precisa se reavaliar enquanto ser humano. Gostar de seu personagem não quer dizer que eu concorde com suas atitudes, como bem acredito que também não é a intenção da autora ao escrevê-lo dessa forma, mas sim significa que admiro o modo como ele foi escrito e sua jornada de amadurecimento.
Quantas vezes nós próprios já tivemos atitudes preconceituosas que foram reproduzidas constantemente pelas pessoas ao nosso redor e que, por isso, nunca pensamos ser preconceito? E mesmo assim podemos aprender, crescer e evoluir como indivíduos. A vida é um eterno processo de desconstrução e que infelizmente para Cooper Dayton (homem branco, policial e que expressamente diz que evitou suas sessões de terapia) só veio a ocorrer muito depois, após um merecido choque de realidade. Mas eu acredito na sua capacidade de reconhecer seus erros. Acredito nela. Adhara o escreveu bem o suficiente para que possamos enxergar um ser humano real por detrás das páginas, e é esse ponto do livro (e de seu personagem) que eu admiro profundamente. Afinal, como dito anteriormente, viver é um processo de constante amadurecimento e desconstrução do ser, de conversar com outros grupos e perceber nossa própria ignorância e preconceito, e com isso crescer enquanto indivíduos. Achei essa construção realista e muito mais fácil de fazer com que o leitor se identifique do que seria se o Cooper simplesmente fosse alguém sem defeitos ou noções pré-concebidas, por exemplo.
De mais a mais, o mistério é interessante, mas não é exatamente Engenharia Aeroespacial; é um pouco previsível se você observar as pistas colocadas à disposição do leitor, mas não deixa de ser envolvente. No geral, é uma leitura que me agradou profundamente e decerto procurarei os próximos livros da série.