Thaianne 13/01/2021Uma "penseira" para os anos de chumbo"Éramos jovens demais para que nos arrependêssemos da alegria."
Imagine que você fosse visitar um velhinho simpático e perguntasse: "Galeano, como era a vida durante os anos de chumbo na América Latina?". Esse velhinho, exímio prosador, te contaria então "causos" efetivamente vividos por ele e seus amigos (poucas vezes apimentados com uma pitada de fantástico), com capacidade de dizer tudo sem perder a ternura, para deleite do ouvinte. É essa a sensação que se tem ao ler "Dias e noites de amor e guerra". Seguindo o estilo presente em outros livros (como "O Livro dos Abraços" ou "Futebol ao Sol e a Sombra"), com textos curtos, Galeano consegue traçar um panorama bastante diverso das ditaduras latino americanas (e é bastante diverso mesmo, não sei citar de cabeça todos os países a que ele dedicou pelo menos algumas linhas). O sentimento por mim experimentado foi o de entrar numa penseira (fãs de Harry Potter entenderão) e poder contemplar algumas cenas do cotidiano desse nosso passado sangrento, e, assim, experimentar um pouquinho das dores e amores de nossa História. Esse livro traz relatos tanto dos sofrimentos enfrentados (a leitores sensíveis, há algumas memórias de torturas e assassinatos cometidos com brutalidade) quanto a respeito da amizade, do amor, e das pequenas alegrias. Existe nele a tensão, com consequente disposição para aproveitar as ditas pequenas coisas, de não saber se hoje será o último dia. Existe a angústia da consciência de ser chegada a hora de partir, mas não se querer deixar a casa. Existe o idealismo e a vontade de manter a humanidade num contexto desumano. Tudo isso entregue numa escrita quase poética, de muita qualidade. Sou suspeita para falar, gosto muito da literatura de Galeano, mas recomendo fortemente a quem quer conhecer/sentir mais a nossa parte do continente.
"Somos muitos os que andamos com o carinho estropiado, mas é preciso ter valor para tirá-lo de dentro, estropiado e tudo. Acho, agora, que é algo que temos de aprender, como tantas coisas na vida. Morreremos aprendendo, se quisermos viver distraídos de morrer".