Coruja 03/10/2011Estou revirando livrarias e sebos atrás deste livro desde ano passado. Ou antes... na verdade, fazia um bom tempo que queria colocar minhas mãos nessa peça. Não conhecia nada de Shaw antes de ler Pigmaleão, mas tinha dois bons motivos para arriscar-me com ele – primeiro, a história era baseada num mito grego de que gosto muito, do escultor Pigmaleão e sua obra-prima, a estátua Galatea e, segundo, o musical My Fair Lady com a Audrey Hepburn era inspirado nele.
Minha odisséia atrás do livro, contudo, quase consumiu minha paciência antes mesmo de começar a lê-lo. Eu queria muito a edição de bolso da LP&M que era, aliás, a única tradução disponível que achei, com trabalho do Millôr. Rodei livrarias e sebos, vitual e pessoalmente, chegando a escrever para a própria editora, quando descobri que ela estava fora de catálogo e não havia previsão de quando seria relançada.
Eu já tinha me conformado com o fato de ter de lê-la em inglês mesmo quando, na Bienal do Livro, dei de cara com ela no estande da editora. Fiquei me perguntando se afinal eles mantêm um estoque secreto de livros esgotados para esses eventos...
Bem... Pigmaleão é uma peça curta, mas extremamente saborosa, repleta de personagens com quase nenhum bom senso. Não chega a ser absurda como A Importância de ser Prudente, mas ainda assim, tem umas voltas que te deixam maluco.
Tudo começa numa noite chuvosa, quando um grupo bastante heterogêneo – de cavalheiros a vendedoras de flores – acaba por se abrigar junto numa área coberta. A vendedora de flores tem uma dicção terrível e acaba passando por uma crise existencial quando descobre que o cavalheiro às suas costas estava anotando tudo o que ela dizia. Jurando que é uma boa garota, ela está simplesmente aterrorizada de que o homem queira de alguma forma lhe mandar para a polícia.
Não sei qual seria a acusação. Vadiagem? Mas ela estava vendendo flores. Péssima dicção quase ininteligível assassinando a língua? Eu apóio entrar para o código penal, mas até agora não apareceu.
Termina que o cavalheiro é o professor Henry Higgins, conhecido especialista em fonologia.
Por uma série de confusões, a moça, que se chama Elisa Dollitle, acaba virando o objeto de uma aposta entre o professor Higgins e seu amigo, Coronel Pickering: em seis meses, Higgins deve transformá-la, através da linguagem, em uma pessoa diferente – de vendedora de flores para uma verdadeira dama.
A coisa toda é meio absurda, não tanto pela aposta, mas pelas personalidades de Higgins, Elisa e Pickering, que passam a morar todos juntos na mesma casa numa comunidade de solteirões repleta de personalidades excêntricas.
Aí ficam as questões: como é que Higgins pode ensinar Elisa a ser uma dama se não tem um pingo de tato social? Por que só o pobre Pickering torra seu dinheiro na história, 1tudo em nome da ciência’? E o que Elisa fará no final, quando seu conhecimento de vida nas ruas se chocar com o treinamento que teve dos dois cavalheiros, uma vez que, terminada a aposta, não será mais necessária a eles?^
Passei a peça inteira explodindo de rir, ao mesmo tempo em que me deliciava com o fundamento da história – a idéia de moldar uma personalidade pela educação e, especialmente, pela linguagem. É um tema que me fascina, o do estudo da linguagem, e eu gostei da forma como Elisa cresce até ser capaz de virar a mesa em Higgins, tornando-se sua igual.
O final, contudo, foi o que mais me fascinou – não o final da peça propriamente dito, mas a ‘seqüência’ que Shaw escreveu como posfácio, para que seus leitores não caíssem na armadilha do romantismo e imaginassem um final de conto de fadas: ele me pegou desprevenida, quase de calças na mão, subvertendo tudo aquilo que eu achava que sabia.
Melhor que isso, só dois disso. Fui rever o musical, deliciando-me uma vez mais com o nonsense cheio de sentido do texto original – e aplaudo a adaptação enquanto termino essa resenha cantarolando I could have dance all night...
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)