Mathias Vinícius 17/04/2024
Um comentário sobre: As intermitências da morte
A metáfora da locomotiva e dos trilhos é especialmente poderosa. A realidade segue seu curso natural, como uma maria-fumaça que avança inexoravelmente pelos trilhos. No entanto, quando percebemos que essa trajetória não é imutável, quando a morte se torna intermitente, nossa primeira reação é realinhar os trilhos de alguma forma com que as coisas voltem para o seu local comum. Queremos que a realidade siga em movimento retilíneo, isso nos dá uma sensação de controle e ordem, porém, e se pudéssemos seguir para o caminho contrário? E se, ao invés de fugirmos da morte, a aceitássemos como parte essencial da experiência humana? Afinal, é na finitude que encontramos significado. A morte dá valor ao tempo, torna cada momento precioso. “É natural, o costume é morrer, e morrer só se torna alarmante quando as mortes se multiplicam, uma guerra, uma epidemia, por exemplo”.
O romance, As Intermitências da Morte, escrito pelo renomado autor português José Saramago, nos conduz nessa reflexão profunda sobre a natureza da ausência, a inevitabilidade da morte e a nossa relação com o tempo: “No dia seguinte ninguém morreu”. Através dessa ideia surreal, Saramago nos apresenta um mundo onde a morte decide tirar férias. De repente, as pessoas param de morrer, e o que inicialmente parece uma bênção logo se transforma em uma maldição. Afinal, a morte é parte intrínseca da vida, e sua ausência perturba o equilíbrio natural e, o que de certa maneira, faça com que os cidadãos daquela cidade busquem formas de reencontrar o descanso eterno.
Em meio essas questões observamos o quanto somos seres escapistas, fugimos em todos os momentos da realidade ou somos levados para tal ação e quando não há uma ordem natural do qual devemos esquivar-se, fazemos de tudo quanto é possível para ir de encontro com o real. As primeiras ferramentas, ou melhor dizendo, instituições que recorremos para uma resposta aos nossos anseios são ou a filosofia, ou as crenças nas mais diversas formas de fé. Mas nessa situação, isso não é uma opção: “Porque a filosofia precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que morreremos, monsieur de Montaigne já tinha dito que filosofar é aprender a morrer.”
Saramago nos convida a questionar nossas próprias escolhas diante da realidade. Somos como passageiros em uma estação de trem, olhando para os trilhos e decidindo se queremos seguir o curso natural ou desviar para um destino desconhecido. A morte intermitente nos desafia a enfrentar essa escolha com coragem e lucidez.
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