Leila de Carvalho e Gonçalves 18/07/2018
O Fantástico Reina Em São Petersburgo
Nicholas Gogol (1809-1852) é um dos principais escritores russos do século XIX e sua obra influenciou autores geniais, como Dostoievski, Tolstói, Turgeniev e Tchekhov.
Dono de uma personalidade complexa, nela está a chave para a compreensão de sua obra. Católico fervoroso, hipocondríaco e anoréxico (morreu de inanição), só Freud pode explicar seu difícil relacionamento com as mulheres. O escritor jamais se casou nem teve uma namorada (ou namorado), inclusive, tanto o amor como a figura feminina são relegados para segundo plano em seus textos.
Se não bastasse, era sensível (uma critica valia mais do que mil elogios) e depressivo. Também tinha o hábito de incinerar seus manuscritos durante acessos raivosos. Salvos do fogo, estão a conhecida peça teatral "O Inspetor Geral" além de alguns romances e histórias curtas, entre as quais se destacam "O Capote" (1842) e "O Retrato" (1841-42), ambas apresentadas nessa edição.
Na primeira narrativa, o leitor é apresentado a Akáki Akákievith, um funcionário público medíocre que acaba de adquirir maior prestígio social por conta de um novo capote, uma fina peça se comparada ao lastimável estado da anterior. Adquirida a duras penas, no primeiro dia de uso, ela é roubada e Akáki tenta em vão recuperá-la. Curiosamente, mesmo depois de morto, sua alma não tem descanso até conseguir vingança.
Destilando ironia e marcado pelo realismo fantástico, seu ponto nevrálgico é a contradição entre o ser e o parecer, apontando para o habitual privilégio das aparências em detrimento do verdadeiro eu. Em paralelo, Gogol também apresenta um belo retrato de São Petersburgo, quando essa cidade era a capital da Rússia durante o reinado de Nicolau I.
Aliás, São Petersburgo também é palco de "O Retrato" cuja história gira em torno de um quadro diabólico que tem o poder de despertar a perversidade em toda pessoa que se aproximar dele. Dividido em duas partes, na primeira, pode-se acompanhar as desventuras de um pobre pintor, Tchartkov, após adquiri-lo por uns míseros trocados; já na segunda, é revelada a origem da pintura e o desfecho surpreende.
A ideia central apresenta o famoso pacto com o demônio e sob essa perspectiva o autor oferece uma interessante reflexão sobre o papel da arte na vida do artista, isto é, até que ponto ele deve abdicar do talento, colocando de lado seus valores, na busca pela fama e dinheiro fácil. Aliás, um dilema que acompanhou Gogol até a morte.
Com tradução de Roberto Gomes, a edição apresenta cronologia do autor, índice ativo e está adaptada à nova Reforma Ortográfica. Boa leitura!