O Estrangeiro 28/05/2024
O mais importante romance do naturalismo brasileiro e uma das obras essenciais da literatura brasileira, O Cortiço conta as histórias de diversos personagens que vivem na ou nos entornos da ocupação urbana que dá título à obra. Embora tenham personagens com maior destaque, especialmente João Romão, Bertoleza, Rita Baiana e Jerônimo, a história parece de fato tratar do cortiço em si, o que, pelo pouco que li a respeito, é uma visão apoiada por pesquisadores da área.
Em certos aspectos acredito que seja correto tratar O Cortiço como uma expressão artística ambígua, pois embora em sua páginas tenhamos um retrato muito fidedigno da população brasileira, um tanto jocoso e inspirado em diversos momentos, também há um racismo flagrante, que não se expressa apenas em personagens, mas também e por diversas vezes a partir do narrador. Esta faceta do romance reflete o pensamento do autor e, em parte, da própria época em que foi escrito. Aluísio Azevedo era alinhado com as teorias raciais (pseudo)científicas que dominavam o cenário intelectual à época. Um ponto interessante é que a obra não é racista apenas com negros, como poderia se esperar, mas também com portugueses e italianos, por exemplo.
Por outro lado, O Cortiço é brilhante em diversos momentos, pois Aluísio Azevedo sabe dosar o naturalismo, com suas longas descrições e situações verossímeis, com momentos em que é transmitida a subjetividade de alguns dos personagens. Destacaria neste aspecto especialmente as passagens que tratam do amor de Jerônimo por Rita Baiana e o trecho específico em que Pombinha percebe quanto os homens são tolos e manipuláveis pelas mulheres ao escrever uma carta para um homem traído que quer recuperar sua ex-companheira.
Aluísio Azevedo também foi bastante original e corajoso ao tratar de algumas temáticas capciosas como a hipocrisia da alta sociedade e o homossexualidade. Inclusive O Cortiço é famoso por retratar talvez a primeira cena homossexual da literatura brasileira, quando Pombinha é assediada pela prostituta Léonie, vindo posteriormente a ter sentimentos dúbios sobre o ocorrido. Há também um personagem que é gay, o qual me falha o nome no momento, mas que convive com as lavadeiras do cortiço.
É definitivamente um dos melhores livros que li na vida, praticamente impecável.