r.morel 05/04/2017
As considerações de B
1. Os contos, melancólicos irônicos, de Roberto Bolaño, em “Putas Assassinas”, são visuais e com um cineclima propício a grande tela. Aqui a imaginação é fundamental - para Bolaño, para os personagens, para os leitores. Equivalentes cinematográficos de alguns desses treze contos seriam filmes da Nouvelle Vague (atmosfera semelhante, cheiro de cigarro com tristeza no ar) e “Trinta anos esta noite” (1963) de Louis Malle.
2 Os personagens-narradores são “repetidores” de histórias; possuem a aura de protagonistas, porém não o são porque, de certa forma, se escondem e encontram algo mais interessante em outra pessoa; estão sem vontade na realidade “tanto faz”.
3. Acompanhamos esses personagens, geralmente homens solitários (exilados, entediados, perdidos?), apreciadores de poesia, e sentimos o que eles pensam (as dúvidas, as certezas); a maioria das páginas são viradas com eles, no entanto, o principal, nos quatro primeiros contos, é a história de outro personagem, que é narrada explicitamente (exemplo: “O Olho Silva”; “Dias de 1978”) ou nas entrelinhas (exemplo: “Gómez Palacio”; “Últimos entardeceres da terra”) - importante é o que fica no espaço, na passagem, de uma frase a outra frase, de uma palavra a outra palavra (o mistério).
4. Raros personagens são nomeados (nota: exilados apenas têm relações transitórias?). E o medo deles: ser um artista apagado pelo tempo, um autor que não fez a diferença.
5. As aparências não duram; sexo é só sexo, e às vezes nem isso, e o amor, se existe, é desencantado, distanciado; logo, também não existe: o vazio se completa. Exemplo: “Embora a escute com atenção, é pouco o que entende. A mulher conta fatos desconexos: crianças balançando-se num parque, uma velha tricotando, o movimento das nuvens, o silêncio que, segundo os físicos, reina no espaço exterior. Um mundo sem ruídos, diz, onde até a morte é silenciosa. A certa altura B pergunta, só por perguntar, em que trabalha, e ela responde que é prostituta. Ah, sei, diz B. Mas diz por dizer. Na realidade, para ele tanto faz. Quando a mulher, por fim, adormece, B procura a Luna Park, que está jogada no chão, quase debaixo da cama” (trecho do conto “Vagabundo na França e na Bélgica”.).
6. A técnica é a de uma narrativa oral (em muitos contos temos uma história dentro de uma história dentro de uma história - Matrioshka, bonecas russas), contudo, o essencial não pode ser captado pelo lido/escutado/visto: a percepção de cada um trará o significado desejado, o que, dependendo do indivíduo/leitor, será o Absoluto Nada; enxergar dessa maneira é válido, pois os contos de “Putas Assassinas” sustentam-se com a leitura superficial, tão prazerosa quanto descobrir visões, vidas e sonhos em palavras (histórias) alheias, onde, de repente, não existam; sinais de coisas que podem acontecer, presságios, coisas que podem nunca acontecer, histórias em suspensão, angústia no tempo parado no limbo.
7. Em/com Roberto Bolaño, a constatação: a vida é vazia e sem sentido. E o questionamento decisivo: o que é a arte? Como se relaciona a vida e a arte? Os personagens (objetos, corpos) que carregam essas dúvidas são escritores desconhecidos ou boleiros que inesperadamente encontram o sucesso e tornam-se craques; são escritores esquecidos, cineastas marginalizados ou personagens que não alcançaram seus desejos e sonhos e aspirações: desistiram (ou pelas circunstâncias foram forçados a desistir). Em/com Roberto Bolaño existe a força de vontade para persistir, mas ela é bem fraca, é cinza, um equilíbrio instável, a qualquer hora pode cansar e sumir, simplesmente desaparecer sem vestígios (um nada), romper-se. Para Bolaño, a arte pode ser um poeta beat se apaixonar por uma egípcia morta há 2.500 anos (seu único amor), pode ser também um personagem terminar de ler um livro e, antes de sair de casa para vagar pela rua, jogá-lo no lixo: a arte é um instante inexplicável.
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