Juliano 17/04/2013
Quando estar perto não é físico
“Quando você acorda, a vida já passou”. A frase, tal qual singelo sussurro, surge na página nove, do livro Os Famosos e os Duendes da Morte (Ismael Caneppele). Uma frase simples. Direta. Poética no ponto certo. E são estes significados que são possíveis de serem desmembrados da obra de Caneppele. Trata-se de um livro que traduz, em 96 páginas, sentimentos por meio de palavras. É, por si só, uma obra sensorial.
Os Famosos conta a história de um adolescente, mas não simplesmente sua história traduzida por simples ações: trata-se de um retrato, sob uma sensível observação da alma jovem, repleta de inquietações, dúvidas, medos, uma busca pela identidade que se mescla com a realidade virtual e a real. Em busca de se encontrar, o personagem principal se perde. Se prende. Se repreende. Tenta-se entender. Talvez ele se veja refletido no fluxo do rio Taquari, uma metáfora para a vida que flui e para a vida que é dragada – um pulo da ponte de ferro, tão sedutor para apaziguar o fim. Mas que fim?
Há neste livro aquilo que Salinger, com seu O Apanhador no Campo de Centeio, melhor traduziu: o espírito de um tempo. Um tempo adolescente, que por perfazer o ciclo desta sociedade contemporânea, parece se sentir deslocado frente ao mundo em que todos estão deslocados, mas não aparentam. “Eu tinha certeza de que, longe dali, alguém vivia a minha vida”, diz o personagem. E quem não sente ou já sentiu isto? A vida inteira que podia ter sido e que não foi, diria Manuel Bandeira. Caneppele, por sua vez, brinca com a sentença não explícita em seu livro e faz seu personagem revelar aquilo que sabemos, mas esquecemos: “Todos nós temos mais perguntas do que respostas”. Está aí o segredo.
FILME – Primeiro longa-metragem do diretor Esmir Filho, Os Famosos e os Duendes da Morte apropria-se do universo do livro. Com uma maestria em transmutar verbos, palavras e artigos em arte cinematográfica, Esmir Filho transforma o livro numa sucessão de imagens e sensações que nos fazem perder o fôlego. Não é preciso se prender ao entender – tanto ao livro, quanto ao filme – é, antes de tudo, preciso saber sentir. Para os cinéfilos de plantão, uma excelente indicação. Um filme cult, diferente, brasileiro.
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