Ana Fortuna 19/02/2024
O sonho de um Homem Ridículo - Dostoiévski
O livro é uma discussão social sobre como o mundo está caminhando para o fracasso. O protagonista (Homem ridículo) é um progressista russo que só pensa pela razão e está em um momento da sua vida onde ele não tem nenhum tipo de propósito para viver e assim decide que vai cometer suicídio.
Em certa noite, o personagem encontra uma menina que rompe essa racionalidade do personagem, ela atinge ele de um modo sentimental, porém, ainda assim, ele ignora seu pedido por ajuda, e apenas faz uma reflexão sobre isso. Nessa cena, mostra o personagem dando as costas para uma criança inocente em desespero, em uma situação precária e precisando de ajuda. Neste momento, o personagem representa todas as pessoas e o autor demonstra como a sociedade é alheia à dor do outro.
A partir disso o personagem tem um sonho com uma “Terra boa” - Mito da idade de ouro, onde há uma sociedade sem conflitos - , uma terra que não fora maculada pelo pecado original, redigida apenas pelo amor. Esse mundo é tratado como o mundo perfeito durante o livro inteiro, onde a emoção é colocada acima da razão e acima de tudo, os indivíduos não estudavam sobre ciência ou buscavam pelo conhecimento sobre a vida.
Todavia, a partir de um ponto, o personagem narrador acaba colocando o pecado original ao mundo “bom”, e isso é tratado como se esse pecado trouxesse as instituições do mundo moderno, como a razão, a justiça, a ciência e a individualidade. O texto endemoniza os ideais modernos e mostra como se eles fossem os causadores de todo o declínio humano.
O livro defende a todo o tempo que o caminho da sociedade deveria ser pela emoção e religião e não sobre os ideais iluministas/razão. Porém, essa sociedade sem nenhum tipo de influência da razão é extremamente distópica. É impossível que mudemos a sociedade atual para uma perfeita se as pessoas não refletirem sobre o que está acontecendo hoje, sobre pobreza, racismo, machismo, homofobia e etc.
Como vamos mudar uma sociedade sem o conhecimento, sem a reflexão e sem o estudo? Se as pessoas não estudarem ou souberem o que está acontecendo no mundo, nunca vamos conseguir mudar. Não apenas com a emoção, como se diz no livro, mas sim com uma mistura dos dois. Não sendo apenas movidos pela razão e pela centralização da humanidade, mas também agindo com os sentimentos, agindo de forma amorosa, empática e respeitosa.
Além disso, tenho mais uma pergunta e reflexão sobre o texto: Amor só pode ser gerado por uma extinção das diferenças? No livro, podemos ver que as pessoas são todas iguais, pensando apenas com amor, com o mesmo tipo de religião, crença e opinião. Porém, quando as mesmas passam a ter opiniões diferentes e crenças diferentes, a partir de um “pecado”, Dostoiévski já passa a tratar isso como um dos “sintomas da destruição”.
Atualmente, é impossível vivermos em uma sociedade uniforme, onde todos são iguais, e não, na minha percepção, não é tornando todos iguais que vamos fazer uma sociedade com amor. Precisamos respeitar as diferenças e não aboli-las, uma sociedade completamente uniforme não funciona na realidade, individualidades existem, diferenças existem, e não é abolindo-as que faremos uma sociedade melhor. As sociedades fascistas eram uniformes, onde todos deveriam ser iguais e isso traria união, na opinião deles, mas não foi isso que aconteceu na 2º guerra mundial, o que aconteceu foi censura, massacre, falta de liberdade e atos antidemocráticos.
“Passaram a torturar os animais, e os animais afastaram-se deles, em direção às florestas, e tornaram-se seus inimigos. Começou uma luta pela divisão, pelo isolamento, pela individualidade, pelo meu e pelo seu. Passaram a falar em línguas diferentes. Conheceram o pesar e amaram o pesar, ansiavam pelo tormento e diziam que a Verdade só é alcançada através do tormento” - Nesse trecho podemos ver, esses humanos passam a utilizar dos animais apenas para o bem próprio, sem cuidar deles como antes, o que vemos muito hoje em dia, tortura dos animais para retirar seu leite, ovos e até mesmo carne, apenas pelo lucro. As pessoas param de ser empáticas e de cuidar de todas e passam a ser egoístas. Porém, não confundam egoísmo com individualidades, você prezar por suas individualidades e o direito de ser o que você quiser ou ter sua própria opinião e ser diferente não é egoísmo. E Dostoiévski passa o livro defendendo a ideia que a pessoa ter suas individualidades e diferenças, como no caso das línguas que ele cita nesse trecho, é um dos “sintomas de destruição”, o que eu não concordo.
Dostoiévski também faz uma reflexão de como seguindo a religião a sociedade seria melhor e, primeiramente, me perguntei sobre o que ele pensava sobre pessoas ateias, ou sobre outras religiões, estas não poderiam fazer o mundo um lugar melhor? Depois, lendo o posfácio (Edição da antofágica) de Flávio Vassoler, que fala sobre Jesus Cristo e a frase “Ama ao próximo como a ti mesmo”, deste modo entendi o que o autor quis dizer, mas as pessoas podem amar ao próximo e ter empatia sem ter nenhum tipo de religião ou sendo de outras religiões sem ser a cristã.
Ainda em seu posfácio li sobre Ivan Karamázov (Os irmãos Karamázov), um personagem do próprio Dostoiévski que faz uma crítica à religião cristã tendo em vista o sofrimento de uma criança inocente, deste modo ele afirma que, um mundo baseado pessoas que não cometeram o pecado original, e que ainda assim sofrem, não faz sentido. Ivan não nega Deus, mas denega o mundo criado pela divindade, um mundo onde pessoas inocentes sofrem pelas escolhas de outros.
Tudo isso mostra como Dostoiévski reflete sobre tudo, e tem muitos livros onde critica e reflete (usa a razão) sobre a sociedade.
Após tudo isso, o protagonista acorda com um propósito de vida de pregar essa palavra, onde deveríamos lutar contra a razão e a emoção deveria ser o futuro. Dostoiévski escreve este conto em um momento em que ele passa a frequentar muitos grupos nacionalistas, conservadores e religiosos e passa a ter raiva dos jovens progressistas que, muitas vezes, usavam da violência contra seus opositores, o que explica todo o seu posicionamento ao longo do livro.
Por fim, neste livro vemos a defesa do caminho pela emoção e religião e o ataque aos ideais iluministas e ideias sobre razão, já que, pelo ponto de vista do autor, eles haviam estragado a sociedade. Porém, é de extrema importância sabermos que nenhum extremo é qualificado quando falamos de organização social. Como já vimos na história, nem países com ideais extremamente socialistas ou comunistas e nem os extremamente fascistas ou direitistas deram certo no mundo. Dostoiévski propõe que esse mundo perfeito somente é alcançável por meio da religião e da emoção, porém, eu acredito que um mundo melhor tenha muito mais ligação com a propagação do amor, respeito e empatia, com estudo, reflexão e compreensão do mundo. Gostei muito, foi uma ótima primeira experiência com Dostoiévski. E mesmo concordando parcialmente com seus posicionamentos, eu recomendo a leitura!
E, para finalizar, uma frase:
“Eu não quero e não posso acreditar que o mal seja o estado normal dos seres humanos.”
Essa frase é incrível, ninguém quer acreditar que o mal seja o normal dos seres humanos, e isso é uma das coisas mais tristes de toda a existência humana. O mal ser tratado com tanta normalidade e o bom ser tratado como revolucionário.
Ana Fortuna