Renata 01/05/2022
Da vida e suas escolhas
Na forma é um livro curtinho, 102 páginas, composto por um preâmbulo, três cartas e um epílogo. Assim, o corpo do livro é formado primordialmente por três vozes femininas, autoras das referidas cartas: Shoko, Midori e Saiko. O elo entre as missivas é o destinatário em comum: Josuke Misugi, respectivamente tio, marido e amante.
A união das cartas e, consequentemente, sua leitura por um terceiro, se dá de um modo inusitado. Tempos depois de publicar em uma revista um poema que destacava a solidão percebida na caminhada de um caçador com seu fuzil, pela paisagem branca, e possivelmente também desoladora, de neve, o autor recebe uma carta do sujeito observado e descrito no poema, Josuke Misugi.
Ao entrar em contato, Misugi não só se identifica, como traz os fatos que acredita justificar sua então figura de “terrível solidão”, a qual não refletia o homem que havia sido em outro tempo, em que inspirava respeito em sua vida pública e privada.
As cartas de Shoko, Midori e Saiko, apesar de não conversarem diretamente entre si se completam e constroem o panorama mais ampliado da vida de cinco pessoas. Isso por que, apesar de não ter voz nessa história, o ex-marido de Saiko me parece parte essencial. Mais do que o desvelamento promovido por Midori, que causaria o desfecho da história, o grande impacto causado em Saiko acontece ao receber notícias daquele marido do qual havia há muito se separado ao descobrir sua traição.
É difícil falar do livro sem dar muito spoiler, e também por que a escrita de Inoue é muito limpa, direta e não nós oferece interpretação enquanto aquele que nos apresenta a história, ele joga tudo no nosso colo e o leitor que se vire. O texto é de 1949, período pós-guerra, e mesmo com seus mais de 70 anos me pareceu o que de mais moderno eu li em relação a autores japoneses, embora não tenha sido muito, é verdade.
Não há descrições de hábitos, rituais ou elementos de cultura tradicional japonesa, a história de passa nos sujeitos e ainda assim é difícil os explicar, mesmo conhecendo os fatos não é óbvio explicar suas motivações, é quase necessário um aporte psicanalítico para entender Midori e Saiko.
É na dependência do modo que essas duas mulheres lidam com seus desejos que não somente suas vidas, mas a de todos a seu redor é marcada, e marcada por uma solidão que irradia e toca a todos.
Recomendo fortemente.