@fabio_entre.livros 07/07/2022
Gênese
Quando se fala em obra-prima dos quadrinhos adultos em forma seriada, é quase unanimidade apontar "Sandman" como expoente máximo da categoria. No entanto, lá no início dos anos 80, cinco anos antes de Neil Gaiman começar a publicar seus aclamados delírios oníricos, um certo barbudo inglês já ensinava como se faz trabalho de gente grande: nascia a saga do Monstro do Pântano. Talvez "nascer" não seja a palavra adequada, uma vez que o personagem já existia desde a década anterior, mas foi Alan Moore quem trouxe a versão definitiva do verdão, reformulando-o desde sua origem e revolucionando o universo dos quadrinhos ao criar uma complexa tapeçaria de temas, abordagens, possibilidades e experimentações narrativas até então nunca vistos nesse nicho.
Rasgação de seda à parte, este primeiro volume pode ser um tanto confuso no início, porque a revista já estava no número 19 quando Moore assumiu a responsabilidade pelo título. Coube a ele, então, limpar a bagunça do roteirista anterior com uma história convenientemente intitulada "Pontas soltas" e, a partir do número 21, começar a construir seu vertiginoso run com a genial "A lição de anatomia". Nessa história, Moore dá um salto gigantesco na concepção do Monstro até então estabelecida e abre portas para as infinitas possibilidades que explorará daí em diante: o verdão deixa de ser o arquétipo do humano que sofreu um acidente biológico e ganhou poderes indesejados à incrível Hulk e passa a ser a personificação da consciência vegetal universal.
Estabelecida essa descoberta, tão desconcertante para o Monstro como é para os demais personagens e até para o leitor, Moore conduz suas histórias trilhando um caminho que vai do horror à ficção científica. Neste volume, em específico, o Monstro precisa enfrentar dois vilões que representam preocupações recorrentes de Moore ao longo da saga: problemas ambientais como desmatamento e poluição são personificados no Homem Florônico e sua visão radical sobre a praga que os seres humanos se tornaram para o planeta Terra. Já no aspecto mais psicológico e intimista, há o Rei Macaco, entidade sobrenatural que pode assumir a forma dos medos mais profundos das vítimas. Hoje isto pode ser considerado clichê, visto que personagens como Pennywise, Freddy Krueger e, mais recentemente, o vilão da 4ª temporada de "Stranger Things", já povoam a cultura pop, mas é preciso considerar que os méritos individuais dessas histórias se devem principalmente ao tato de seus criadores para lidar com os temas de forma única, mesmo compartilhando da mesma ideia; ademais, vale lembrar, a história de Moore foi publicada quase dois anos antes de "It", do Stephen King.
Por fim, mas não menos importante, há o marcante trabalho artístico de Stephen Bissette e John Totleben, que capturam perfeitamente o universo assombroso, surreal e por vezes psicodélico de Moore. Embora para os padrões atuais o traço dessa dupla (e de outros colaboradores que apareceram nas edições seguintes) possa parecer datado, tem também uma inventividade visual de concepção e layouts invejável até hoje. Isso é mais do que se pode dizer de muitos artistas contemporâneos.