No tempo do mil réis, o vintém de cobre era a moeda mais desvaliosa, aquela que mal comprava um doce. Cora Coralina batizou com o nome da velha moeda as suas quase memórias, ou meias-confissões, como ela prefere, redigidas em versos. Vida tumultuada, cheia de esbarrões do destino que, em vez de provocar desânimo, podem despertarar no espírito de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas (nome verdadeiro de Cora Coralina) uma fibra de guerreira e uma sabedoria considerada simples, por vezes meio marota, feita de respeito e piedade pelo ser humano, sobretudo pelos que sofrem, mas também com um fundo de ironia mansa e de malícia sem maldade, um humor típico da gente do interior, um sarcasmo angelical, mistura de humildade franciscana e revolta diante das estúpidas repressões da sociedade e da dureza dos costumes antigos, sob os quais se criou, foi educada e que lhe deixou marcas na alma.
Poema - 'Na casa antiga, castigos corporais e humilhantes, coerção,/ atitudes impostas, ascendência férrea, obediência cega./ Filhos foram impiedosamente sacrificados e despojados./ E para alguma rebeldia indomável, lá vinha a ameaça terrível, impressionante/ da maldição da mãe, a que poucos resistiam./ Do resto prefiro não esmiuçar'.
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