A Literatura, diz Fernando Cristóvão, da Universidade de Lisboa, é a “antropologia das antropologias”. Ela torna possível obtermos o retrato de corpo inteiro do homem comum, das suas convicções, temores e crenças profundas. Daí por que, no estudo das formações sociais, seja tão importante não fecharmos essa janela, que nos coloca diante “da vida como ela é”, segundo dizia Nelson Rodrigues. A história dos países ibero-americanos é fruto dessa tendência secular, herdada dos colonizadores ibéricos, a enxergar o Estado como bem de família. A onda populista que varre o Continente é variante dessa tendência que leva a confundir público com privado. O neopopulismo hodierno só reforçaria o aspecto carismático e de ação direta das novas lideranças latino-americanas: a justificativa para o exercício clânico do poder é o velho messianismo do “pai dos pobres”, que reorganiza as estruturas mediante uma ligação direta entre o povão e o próprio líder, com denúncias contra as “elites”, como responsáveis pelos fenômenos da pobreza e do atraso.