Abolicionista, feminista e republicana já nas duas últimas décadas do século XIX, Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) foi uma das escritoras mais ativas e mais lidas de seu tempo, mas, como muitas outras, passou por um processo de apagamento histórico que ainda não foi de todo reparado. O romance A família Medeiros, que em 2021 completa 130 anos, foi a obra que a tornou conhecida em seu tempo. Publicado primeiramente como folhetim na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro em 1891, tornou-se livro rapidamente graças a uma trama bem arquitetada que passa por uma história de amor e por mais de um mistério a ser desvendado. No entanto é também, do início ao fim, a narrativa do conflito entre jovens abolicionistas e escravistas, estes dispostos às piores crueldades para manter as coisas como estão.
O enredo começa com a chegada de Otávio Medeiros, depois de uma temporada de estudos de engenharia na Alemanha, à fazenda de seu pai, o comendador Medeiros, em Campinas (SP). Otávio vem para o Brasil com ideias avançadas contra a escravidão e a favor da modernização da agricultura, em oposição às convicções de seu pai. Na casa da fazenda Santa Genoveva mora agora uma prima, Eva, uma jovem altiva que não só nutre ideias abolicionistas como intervém contra os maus tratos aos escravos e contribui financeiramente para fundos de alforria. Em torno de Eva há um segredo que faz tremer o comendador.
Na figura do chefe da família Medeiros, Júlia Lopes de Almeida constrói uma crítica severa ao patriarcado. Além de perverso com os escravos, o comendador é uma pessoa retrógrada e intransigente, convicto de que deve e pode arranjar os casamentos dos filhos – Otávio tem duas irmãs –, é casado com uma mulher submissa e sem voz nas questões familiares, inimigo do próprio irmão e intolerante com os modos independentes da sobrinha.
Em A família Medeiros, que não por acaso a escritora terminou de escrever em 1888, ano da Lei Áurea, a convicção abolicionista vem lastreada por um painel do período de transição que transcorria. As fugas e rebeliões de escravos cada vez mais frequentes são acompanhadas do protagonismo das vozes antiescravagistas, surgem os primeiros imigrantes europeus e há prenúncios da automatização do campo: uma nova máquina agrícola é recebida com pompa e circunstância pelos personagens.
Um aspecto curioso da construção literária do romance, tributária da fonte do realismo francês, é a descrição das fazendas paulistas, seu funcionamento, os hábitos de seus moradores e o linguajar tanto dos escravos quanto dos senhores. Conforme a trama vai se adensando, os personagens centrais viajam pelas estradas, fazendas e vilas – além de, brevemente, pelas áreas centrais de Campinas – e a autora descreve os pequenos comércios e a fala caipira. Carioca, Júlia houve por bem criar notas de rodapé para explicar ao leitor os “paulistismos” que recolheu. Para um público previsivelmente burguês, a autora descreve ainda a romaria de pagadores de promessas ao Bom Jesus de Pirapora, uma fuga de escravos e uma comunidade de leprosos.
Literatura Brasileira