Nem sempre é possível descobrir a origem verdadeira de uma lenda popular, e mesmo precisar a época em que ela começou a correr mundo. Quase sempre, pode-se compará-la a uma epidemia, cujas causas secretas escapam às pesquisas da ciência, e que nem por isso deixa de ter uma existência reconhecida, efeitos manifestos e uma marcha oculta impossível de ser prevista ou detida. Assim, a lenda do Judeu Errante, que foi comentada durante toda a Idade Média e ainda circula entre as populações rurais na maior parte dos países da Europa, é sem dúvida bem anterior ao Século XIII, embora não se encontre nenhuma referência a seu respeito nas crônicas anteriores. Somente depois daquela época se encontra, de vez em quando, a crença geral, que fora admitida como um fato averiguado, sobretudo na Alemanha, onde os espíritos, naturalmente sonhadores e místicos, eram mais inclinados à superstição e à fé cega que fazem a fortuna das lendas populares. Essa lenda famosa teve sem dúvida a sua origem em uma bela e impressionante alegoria, imaginada por algum pregador, ou antes por algum poeta que personificou a nação judaica na figura do Judeu Errante. Os judeus pediram a Pilatos a morte de Jesus Cristo, dizendo: "Que o seu sangue caia sobre nós e nossos filhos!" Eles crucificaram o Filho de Deus, insultando-o na última hora; o seu castigo fora previsto pelo próprio Jesus, que previu muito sofrimento para Jerusalém, destinada a perecer: depois da destruição de sua cidade por Tito, os judeus forma expulsos de sua pátria e se dispersaram no Império Romano. Desde então, viu-se cumprir esse estranho destino de um povo que sobreviveu à sua dispersão, e que conserva, no meio de outros povos, a sua nacionalidade, o seu caráter, as suas leis e a sua religião, apesar das constantes perseguições que tem sofrido, por toda a parte. Ultrajado, espoliado, escorraçado, não se desanima jamais; teimosamente, volta sem cessar aos mesmos lugares; enfrenta de novo perigos de que a custo escapara; finge ser pobre, para se enriquecer impunemente; esconde-se para se livrar das humilhações e dos suplícios; não quer, no entanto, desistir de sua fisionomia e de seus hábitos, porque insiste em permanecer judeu, até a vinda do Messias, que espera confiante. Tal tem sido a sorte dos judeus até os nossos dias; tal é também a triste condição do Judeu Errante segundo a lenda. Pode-se dizer que o decreto do céu que feriu os judeus, como expiação do deicídio, e que os deixou arrastar de um extremo ao outro do mundo a sua deplorável individualidade, jamais foi eliminado ou mesmo atenuado pelas nações estrangeiras através das quais eles erram eternamente; pode-se dizer que essa terrível sentença se acha admiravelmente simbolizada na história do Judeu Errante. Antes do Século XIII, tal história já era muito acreditada por todos os povos cristãos: talvez os Cruzados a tivessem trazido da Palestina, onde antes ela estava relacionada com as solenes tradições do ano 1000, que, devido à falsa interpretação de uma passagem do Evangelho, se tornara o espantalho da Igreja Católica. O ano 1000 deveria marcar o Fim do Mundo, a vinda do Anticristo, o Juízo Final; o Anticristo não veio, o mundo não acabou, apesar dos sinais ameaçadores que pareciam anunciar o seu fim: inundações, fomes, pestes, eclipses da Lua e do Sol; mas como sem dúvida, os velhacos não perderam a ocasião de explorarem o terror universal, representando o papel do Anticristo e recebendo muita esmola por conta, imaginou-se, sem dúvida, que aqueles pretensos Anticristos, que haviam aparecido aqui e ali, não eram outros senão o Judeu Errante, que não podia demorar-se no mesmo lugar, e que se transportava do Ocidente para o Oriente com a rapidez do vento ou do relâmpago. Pode-se dizer, de qualquer modo, que essa peça lírica é uma admirável meditação da filosofia religiosa a respeito dos mistérios da vida humana; é um impulso da alma para o céu, um pensamento consolador sobre a morte.
História Geral / Literatura Estrangeira / Religião e Espiritualidade