A noite cai. Luzes iluminam as avenidas, faróis acendem de vermelho curvas e retas, tingindo as ruas como vasos que bombeiam o sangue para a periferia.
Do alto Bucareste parece um animal vivo.
Das costelas do edifício abandonado finjo observar a cidade, mas os olhos vagueiam pelo prédio em meio às mansões históricas. Ali, na cobertura contornada pela claridade, dorme um raio de sol.
Por séculos você assiste o sol nascer sem comoção. Olha para o céu sem se importar com a temperatura, ignora cada rosto com que cruzou, porque já viu rostos demais e para você todos são iguais.
Então um dia você faz tudo como sempre fez. Assiste o amanhecer, caminha indiferente ao frio ou calor, entra na sala de aula para mais um ano.
Nesse dia você se depara com a luz.
Não mais do que isso, uma brecha entre as nuvens. Um jato de cor, de olhos quentes e feições delicadas. De sorriso tímido e contemplação pelo mundo que você ignora.
Você a segue, mesmo sabendo que segui-la é errado.
Passa as noites observando da sua janela seu peito subir e descer, fascinado pela leveza daquele gesto. Grato, pela primeira vez na morte, por estar ali, num futuro do qual não deveria fazer parte, mas faz.
E um dia você se vê de pé sobre um monte de escombros.
Pergunta-se sobre o que está pisando, e descobre que está de pé sobre suas crenças.
A força que arrogantemente acreditava possuir se transforma em fragilidade. A escuridão, antes a mais poderosa das metades, recua pela força da claridade.
De você sobra apenas a tristeza que mascarava de indiferença.
Esqueça-a, Valentim, ela é problema.
Ela é principalmente humana
Fantasia / Romance