A Relíquia inaugura nova perspectiva na obra de Eça de Queirós. A feição mais conhecida do grande romancista é aquela compromissada com o discurso cultural do realismo naturalista ( O crime do padre Amaro, O primo Basílio, Os Maias), segundo o qual a ficção só se legitimava por meio da incorporação das convicções da ciência da época, que pressupunha um enredo racional e lógico, concebido conforme a dinâmica da vida real. Por meio desse tipo de enredo, a que se pode chamar "verista", o autor procurava reformular os valores da burguesia católica e monarquista de Portugal, demonstrando adesão convicta aos princípios do tempo. Editada pela primeira vez em 1887, A Relíquia procurava abandonar a ditadura dos pressupostos científicos da época e instaurar o domínio da imaginação crítica, a partir da célebre fórmula: "Sobre a nudez forte da verdade, o mantos diáfano da fantasia", que fundamenta a trama e o tema dessa nova obra-prima de Eça de Queirós. Nasce daí a literatura fantasista ou alegórica, por meio do qual o autor inaugura o romance problematizador em Portugal: excedendo os limites da crítica social, A Relíquia procurava relativizar a noção de verdade absoluta, por meio de ironia, da paródia, do humor e da interdiscursividade. O romance produz, sobretudo, uma deliciosa caricarura das convicções religiosas irracionais, que normalmente se amparam na prática dos "bons custumes".
Romance