Poucos filósofos cultivaram tanto a solidão e dela retiraram tão fecundas implicações biográficas e teóricas como o alemão Friedrich Nietzsche. Crítico da cultura moderna e arauto dos “espíritos livres”, Nietzsche foi sobretudo um andarilho, um filósofo da suspeita, um decifrador e, ao mesmo tempo, um anunciador de enigmas. Talvez por isso, sua filosofia ainda soe oracular e desperte muitas suspeitas. O filósofo do martelo, entretanto, exige uma leitura atenta, próxima de uma arte da ourivesaria. Sua leitura apressada – ele mesmo havia advertido – pode dar margem a muitos mal-entendidos. Pelos próprios títulos, suas obras aparecem como provocativas e evocam essa exigência de um “bom leitor” (que é, antes de tudo, um leitor lento, cuidadoso, solitário): O nascimento da tragédia, Humano demasiado humano, Aurora, A Gaia Ciência, Assim falou Zaratustra, Além de bem e mal, Para a genealogia da moral, Crepúsculo dos Ídolos, entre outras. A leitura atenta dessas obras certamente possibilitará ver, por trás da imagem do filósofo destruidor, também o criador e o artista, aquele que remove escombros para elevar novas edificações. Em seu texto, ao mesmo tempo orgulhoso e feliz, Nietzsche revela um diagnóstico contundente da crise de fundamentos vivida pela sociedade moderna, cuja repercussão será decisiva sobre boa parte da filosofia contemporânea. Mas é também nele que podemos encontrar pistas para o enfrentamento dessa crise. Ao pensar a solidão como virtude moral, o presente texto se põe no encalço desses vestígios.