A ficção de Clarice Lispector, articulada sobre o duplos signo do pensamento e da linguagem, constitui um acontecimento único na literatura brasileira. Desde sua estréia, em 1944, com o romance "Perto do coração selvagem", saudado por Antônio Cândido como "performance da melhor qualidade" e "uma tentativa impressionante de levar nossa língua canhestra a um pensamento cheio de mistério", Clarice viu crescer sua reputação junto à crítica e aos leitores.
"A via crucis do corpo" é uma coletânea de contos, alguns publicados anteriormente em jornais e revistas,. Hélio Pólvora, para quem esse livro significa uma abertura na obra da autora e uma renovação que "Onde estivestes de noite" já prenunciava, anotou: "A Clarice dos textos longos - novela ou romance - é diferente da Clarice das histórias curta: nestas, pratica uma literatura mais aberta, ligada a estruturas narrativas conhecidas, admitindo realidades outras que não o mistério da personalidade".
O crítico Haroldo Bruno, tomando o livro como exemplo, alinhou Clarice Lispector entre os criadores que, entre nós, subverteram a estrutura do conto, da narrativa curta "até transformá-la em digressão filosófica, numa alegoria do espírito e numa magia do corpo, propondo uma inquietação do místico e do sensorial". A velhice, a morte, a obsessão sexual no âmbito burguês são alguns dos temas que comparecem nessas páginas densas e poéticas.
A obra de Clarice indica uma aguda percepção do detalhe, vazada numa linguagem cristalina e filosófica. "A via crucis do corpo" é leitura obrigatória, pelo que revela da aventura humana e das incansáveis pesquisas formais e existenciais da autora.
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