Ao ler o texto de Analice, o roteiro construído, as autorias convocadas para a publicação e os conteúdos elaborados, foi-se consolidando para mim a idéia de que o livro registra a constituição de uma rede de diálogo produtora de atores sociais. Recorro a Mário Testa que, em Saber en Salud (1997), escreveu sobre a construção do conhecimento nas ciências sociais para dar suporte ao que acabo de afirmar. Testa propõe um espiral de conhecimento no qual flui o trânsito das práticas da vida cotidiana às ciências sociais e destas para a vida cotidiana ressignificada. Tal trânsito é possibilitador de subjetivações e viabilizador de sujeitos coletivos. Nesse processo, o sujeito desdobra-se em diversos que o transformam: o sujeito da vida cotidiana passa a sujeito epistêmico e, deste, a avaliador, para se tornar sujeito público e reconstituir a vida cotidiana. O trabalho de Analice e seus interlocutores parte da vida de portadores de sofrimento psíquico, de estudantes e professores comprometidos na formação de psicólogos e de trabalhadores de saúde mental implicados na prática clínica, em um contexto que entremeia universidade e serviços públicos de saúde em tempos de democratização da sociedade, de reurbanização das cidades, das reformas sanitária e psiquiátrica. Nesse contexto, os autores dão-se ao trabalho de indagar, de formular hipóteses, de ousar práticas de ensino e de fazeres profissionais instituintes e, assim, acompanham a loucura às ruas.
Prosseguem questionando, elaborando releituras, compartilhando saber-fazeres e vêm a público coletivamente, constituindo a clínica em movimento.
Com eles aprendemos sobre espaço-tempo nas cidades, na clínica, nas psicoses, ficamos confinados na cama, vamos às ruas, tropeçamos em andanças pelo centro, sabemos de histórias nunca contadas, costuramos outras histórias, fazemos passeatas e alcançamos o mar.
A trajetória percorrida pelos autores possibilita, mais do que a reinvenção de tecnologias de cuidados clínicos, uma ressignificação do cotidiano, transformando-os em militantes sociopolíticos, pois, nitidamente, são agenciadores de projetos de vida.
É um livro escrito por quem está construindo um outro mundo possível.
Psicologia