Alberto Cavalcanti

Alberto Cavalcanti Lorenzo Pellizzari...


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Alberto Cavalcanti





Alberto Cavalcanti. A simples menção desse nome nunca deixa de ter seu efeito: ah, a vanguarda! Ah, o Brasil! Mas o interlocutor, seja o crítico ou um conhecedor, raramente vai mais longe. Quando não evoca atmosferas dantescas, esse nome faz ressurgir no máximo vagas lembranças de cineclube. Jamais realmente se projeta uma identidade precisa, jamais se esboçam no seu conjunto o homem e a obra.

Alberto Cavalcanti nasceu quase ao mesmo tempo que o cinema e seguiu de perto sua evolução, do mudo ao sonoro, da cor à televisão. Conviveu com o cinema durante mais de meio século, de 1923 a 1978, e seu nome está ligado a 115 obras (talvez mais). Trabalhou como cenógrafo, engenheiro e sonoplasta, roteirista, montador, produtor público e privado e, naturalmente, diretor; em diversas ocasiões assumiu várias dessas funções. Viveu em contextos cine e geopolíticos muito diferentes, deixando em toda parte sua marca e sua maneira de fazer cinema. Alternativamente, mas não indiferentemente, entregou-se ao documentário e à ficção, ao culto da imaginação e à noção de realidade, ao cinema-cinema e ao cinema-teatro, ao cinema-literatura e ao cinema-documento. Amou e cultivou a técnica como poucos, teorizando-a até mesmo de maneira obsessiva, mas algumas vezes decidiu submetê-la à mais simples das rotinas ou negligenciar decididamente as regras mais elementares.

Um grande ancião? Um herói? Um anti-herói? Um homem da profissão? Não o reconhecemos em nenhum desses personagens. Arrisquemos uma hipótese: ele foi simplesmente um extraordinário homem ordinário.

Seu destino, em si, foi singular. Cavalcanti era alguém que se encontrava sempre no lugar certo na hora errada ou no lugar errado na hora certa. Que inovou ou experimentou antes dos outros, mas em seguida desistia de tirar vantagem dos resultados obtidos.

Que nunca se enraizava muito a ponto de conseguir captar a atenção constante e aprofundada da crítica ou fazer favor aos produtores ou aos comandatários. Que podia passar de projetos ambiciosos a modestas execuções, mas que, enquanto ser livre, não aceitou injustiças ou espoliações, prevaricação ou trapaça.

Sua filmografia apresenta poucas obras de grande importância, com exceção talvez de “Rien que les heures ou En rade, Coalface ou Dead of Night”; no entanto, nenhum de seus filmes (à parte, talvez, alguns flagrantes compromissos alimentares) é totalmente desprovido de personalidade ou pelo menos de elementos de pesquisa e inovação. Quase todas as grandes correntes, escolas ou tendências da metade do século foram frequentadas de uma maneira ou de outra, marcadas ou pelo menos "visitadas" pela personalidade de Alberto Cavalcanti, da assim chamada "primeira vanguarda francesa" à indústria sonora (entre exigências de expressão e exigências do mercado), do documentário inglês dos anos 30 ao grafismo da "pintura sobre película", da dupla tentativa de fundar uma produção nacional específica (a Ealing de Michael Bacon, um grande cavalheiro, e a Vera Cruz de Franco Zampari, um grande intrigante) às utopias generosas, se bem que um pouco manipuladas pelo internacionalismo marxista dos anos 50.

Quem é, portanto, Alberto Cavalcanti? Um "artista", na acepção mais vasta e mais completa do termo. Ele tem não somente coisas a dizer ou mensagens a transmitir (é o aspecto de sua obra que uma certa crítica mais privilegiou e do qual uma outra, situada no lado oposto, o repreendia em certa época), mas tem sobretudo imagens a mostrar, e a formar antes de mostrar. De fato, jamais se produziu qualquer coisa (sequer aquilo de que pessoalmente não estava convencido) que não submetesse a um tratamento formal, típico do grande artesão, mais ainda do que do artista: as composições e o enquadramento do plano, os cenários, as luzes, os contrastes, os ritmos, as cadências, os efeitos sonoros, etc., tudo o que uma pessoa mal avisada ou de má fé poderia chamar de "formalismo"; de resto, Alberto Cavalcanti se permitiu até algumas pequenas estranhezas, esparsas aqui e ali, à maneira dos marceneiros, dos miniaturistas ou dos pintores de antigamente.

Além de sua atividade principal como cineasta em sentido amplo (como vimos, não somente enquanto diretor), Alberto Cavalcanti teve uma constante e intensa atividade de teórico (basta lembrar o estudo das relações do cinema com as artes plásticas ou as pesquisas sobre o assincronismo do som e sobre a música), de historiador (seus ensaios sobre a história do filme documentário, do musical ou do desenho animado não são desprezíveis), de crítico (sobretudo de autocrítico, mas ele é também o precursor das noções de "neorrealismo" e de "realismo critico"). Enfim, ele foi uma testemunha da cultura de sua época (seria preciso estudar suas relações com Gide, Ivens, Auden, Priestley, Brecht, assim como o frutífero intercâmbio com músicos da dimensão de Jaubert, Milhaud, Britten, Eísler). Existem os aspectos que o aproximam de alguns grandes raros da história do cinema (e o único nome que vem à mente é o de Eisenstein).

Seria tudo perfeito, grandioso e maravilhoso? Não. Alberto Cavalcanti não foi Renoir, nem John Grierson, nem Orson Welles, nem Glauber Rocha (para citar três dos quatro cineastas dos quais o separaram a desavença ou desconfiança; adivinhem quem é o quarto). Alberto Cavalcanti foi um homem com todas as suas incertezas, suas reavaliações, sua dispersão, suas fraquezas, joguete tanto de sua hesitação quanto de sua impulsão, e os bruscos entusiasmos se alternavam nele com as renuncias imprevistas ou as desilusões.

Sua personalidade se compõe talvez de um pouco de "tagarelice" francesa e de relojoaria suíça, de um pouco de introspecção inglesa e de improvisação italiana, o todo se unindo à preguiça latino-americana que se tornou natural, conscientemente ou não.

E isto também: Cavalcanti é um cidadão do Mundo.

É ainda mais.

Cavalcanti é um cidadão do Tempo. Henri Langlois, seu amigo-inimigo, disse uma vez: "Alberto Cavalcanti é um homem do século XVIII que se extraviou no século XX e que, além disso, faz filmes." E acrescentava: "Poderíamos esquecer o espírito filosófico, e que o século XVIII foi também o século da luz?”

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