Alma

Alma Itamar Vieira Junior


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Alma


Coleção Identidade Vol. II




“Alma” narra a vida de uma escrava que consegue fugir da casa grande e anda durante muitos dias – talvez meses – maltrapilha, solitária, seminua e faminta, adentrando o Sertão da Bahia, até finalmente chegar ao lugar onde funda uma comunidade. Além do peso do medo e da fome, alimentando-se de raízes, folhas, pequenos animais e cereais que furta nas raras plantações que encontra pelo caminho, Alma carrega o fardo de um terrível segredo, só revelado ao leitor no final da narrativa.

"Caminhei por muitas luas cheias, sob o sol de fogo, minhas mãos estavam sujas, minhas vestes rasgadas, destruídas, meu cabelo embolado como um novelo sem um fio que fosse um caminho para desatar, meus seios amarrados com uma teia de palha de buriti, a pele cortada em todos os cantos, com cascões negros de sangue seco, os pés com os ossos rachados e terríveis feridas, manejava as ervas que encontrava no meio da mata, e fazia unguentos com as poças d’água, com a lama de qualquer resquício de frescor, com ervas vivas e verdes como minha avó me ensinou, fazia tantas coisas, passava minha saliva também para curar as minhas dores, sentia fome de fome, comia os frutos que encontrava no caminho, frutos que nunca havia visto, e que travavam em minha boca com gostos amargos e de morte, mas muitos eram doces e me fortificavam, e, se os pássaros e morcegos tivessem mordido, comia sem medo, se não, babava temendo o veneno, eu pagava meus pesos carregando o medo dos venenos, da morte terrível de venenos, mas a fome doía, a fome corroía meu estômago, como a água que lava a pedra, e eu, uma mulher que caminha, e por um tempo só caminho, sou uma mulher que caminha para frente e não volta para o que deixou longe, agora muito atrás de mim, caminho assim, esperando encontrar o acalanto de um lugar onde exista a liberdade, eu, uma mulher que nasceu acorrentada aos desejos de meus senhores, eu que não tinha nome porque não era nada, que um dia toquei o coração de minha senhora e ela disse que eu tinha uma alma, eu, uma mulher diferente das outras que serviam àqueles senhores, uma alma, que caminho sempre para frente, e deixei o mar e a água, deixei plantações de cana e casa branca, deixei o moinho d’água, os carros de boi, eu, uma mulher, que pariu com dor e que tiraram esse filho dos meus braços, que pari outros tantos e todos os outros de mim foram tirados enquanto os amamentava e cresciam, eu, uma mulher, uma alma, que lutava todas as horas e da primeira vez quando levaram um filho urrei de tristeza, como uma cadela, meus filhos arrancados como uma ninhada de cães, um a um, foram retirando de mim, um a um foi sendo retirado, eu que agora caminho para frente, lembro-me de todas essas coisas que doem mais que as feridas abertas de meus pés e do couro do meu cabelo, eu, essa mulher que anda pela mata como se bicho fosse, e que um dia disseram que eu tinha alma, e por isso me chamaram de Alma, (...)"

Este conto faz parte da Coleção Identidade. Saiba mais em www.amazon.com.br/colecaoidentidade

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Leninha
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28/10/2019 21:23:58

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