Os cacos de memória, de palavra e de calor que Marcelo Labes nos apresenta em Amor de bicho nos deixam apenas intuir, de longe e rapidamente, não a louça que eram, mas o amor que a quebrou. Da louça quebrada pelo amor só restam esses poucos cacos, lapsos divididos em 35 capítulos. Cacos – mãos que apertam sexos, esperas, conversas no café da manhã, tardes de domingo, cheiro de esperma – que o leitor precisa ver de um lado e de outro, girar nos dedos, testar se furam. Nessa composição coesa, mas episódica, Amor de bicho se aproxima mais dos livros de poemas do autor, como Enclave (2018), do que de seus romances, como Paraízo-Paraguay (2019), e demonstra com uma espécie de visceralidade racional ou racionalidade visceral, apaixonada, a velha tese de que o texto literário interessante é aquele em que o modo de estruturar e a coisa que estrutura são indissociáveis. Impossível pensar em um Amor de bicho diferente deste que foi escrito ou um modo diferente de escrevê-lo. Com Amor de bicho Labes afirma, também, o que já tinha afirmado e reafirmado nos últimos anos: que tem um ofício e que domina esse ofício; que é capaz de tornar literatura o que quer que tenha em mãos; que vai encontrar o caminho a seus leitores Brasil afora, “nem que seja a porrete”; que veio para ficar e fica. Ler um manuscrito de Marcelo Labes é abrir uma fissura no tempo, ver em bola de cristal – ainda que feita em cacos – o futuro do que quer que chamemos de ‘literatura brasileira’. E esse futuro, esse futuro do presente, fica pregado às páginas que o leitor tem agora em mãos – ainda que o passado e seus amores tenham mesmo se quebrado irremediavelmente. 12/09/2020, Cuiabá, quarentena Matheus Guménin Barreto
Ficção / Literatura Brasileira / Romance