Sexto livro de Paul Celan, e o penúltimo que publicou em vida, Ar-reverso (Atemwende, 1967) é, como escreveu o autor em carta à esposa, a artista Gisèle Celan-Lestrange, “realmente a coisa mais densa que já escrevi, e também a mais inapreensível”. É, de fato, uma verdadeira radicalização de seu projeto poético desenvolvido até então.
Escrito num período conturbado, entre 1963 e 1965, quando o escritor esteve internado algumas vezes para tratamentos psiquiátricos, o livro dialoga com seu famoso discurso O meridiano, que proferira ao receber o prêmio Georg Büchner, em 1960. Nele, Celan reflete sobre a tendência do poema ao emudecimento, o papel fulcral do outro no fazer poético e formula, pela primeira vez, o termo com que nomeará a obra: “Poesia: pode significar um ar-reverso”.
Poeta judeu que sofreu na própria pele a barbárie da Shoah, Celan respondeu como nenhum outro ao desafio de “fazer poesia depois de Auschwitz”, reinventando poeticamente a língua de seus algozes para escavar nela uma realidade própria e redentora: “Ampliar a arte? Não. Entra antes com a arte no que em ti próprio há de mais acanhado. E liberta-te”.
A tantos desafios que esta obra impõe, o tradutor Guilherme Gontijo Flores responde também com rigor e rara inventividade: “(Eu te conheço, a toda recurvada,/ eu, transpassado, a ti me submetera./ Onde arde a voz por nós testemunhada?/ Tu — tão real. Eu — tão quimera)”.
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