Bartleby, um dos seis Contos da Varando que Melville escreveu (junto, por exemplo, com Benito Cereno, O Terraço, As Encantadas), é sem dúvida uma obra-prima absoluta. Publicado em revista em 1853, destaca-se logo pela oposição polar em relação aos habituais ambientes dos romances de Melville: em vez de extensões oceânicas e paisagens exóticas, entram agora prédios e biombos e paredes impedindo o olhar, e isso numa rua novaiorquina, Wall Street, que já no próprio nome alude à obstrução dos horizontes. E é tão insistente e intensiva a descrição dessas paredes, todas iguais, que faz pensar numa espécie de autoironia, produzida por alguém que havia cantado com tanta exuberância os paraísos polinésios.
O narrador do conto, um advogado especializado em transações comerciais e financeiras, com escritório em Wall Street, contrata um copista chamado Bartleby, sem ter a menor ideia das consequência que esse encontro teria. Bartleby mostra-se impecável no trabalho, diligente, reservado e gentil. Mas da primeira vez que o advogado lhe pede para ajudá-lo a revisar um documento que acaba de redigir, ele responde, de modo educado mas ao mesmo tempo inapelável, ''Preferiria não fazê-lo''. A partir desse momento, os seus ''Preferiria não fazê-lo'' multiplicam-se em progressão geométrica, até se estenderem ao próprio trabalho dele: o copista Bartleby se recusa a copiar ou a fazer seja o que for, mas sem nenhuma petulância ou rebeldia; apenas opta por ficar em pé no seu canto, diante da janela, fitando indefinidamente a parede em frente, com ar distante, imperturbável, impassível.
Aos pedidos de explicações cada vez mais desesperados do advogado, responde com um silêncio indecifrável, e continua a dizer ''Preferiria não fazê-lo'', mesmo quando aquele que o emprega decide demiti-lo. O advogado, porém, não chega a se enfurecer com isso; sente-se antes inexplicavelmente solidário com seu excêntrico funcionário, chega a protegê-lo da melhor maneira que pode, até que vem a dramática conclusão, que ele não tem como evitar e lhe traz bastante sofrimento. Bartleby é a pura alteridade, a inocência absoluta, que não conhece regras nem culpas, vítima sacrificial da sociedade e ao mesmo tempo seu mais alto e impiedoso juiz: é um personagem gigantesco, que talvez tenha pouco a ver com o humano e muito a ver, como diria Montale, com alguma ''divindade perturbada'', diante da qual todo homem de boa vontade nada pode fazer, exceto inclinar-se e assentir.
Literatura Estrangeira