Cecília Meireles escreveu em 1927 estes Cânticos, conjunto de 27 poemas que representam um singular ponto de inflexão em sua obra literária. Enquanto a maior parte de sua poesia foi concebida em torno da fugacidade do tempo, do desconforto da condição humana, neste livro nossa maior poeta se exercitou numa essencialidade de matriz oriental e índole filosófica. São versos impulsionados por uma procura mística, um exercício de autoconhecimento e autotransformação guiado principalmente pela recusa dos valores que a sociedade do consumo exalta a todo o momento. Em poemas breves, Cecília Meireles sugere a cada um de nós o cultivo e a preservação dos valores humanitários, a harmoniosa comunhão com a natureza, a plenitude existencial, a paz interior e a liberdade.
Não digas que és dono
Sempre que disseres
Roubas-te a ti mesmo.
Tu, que és senhor de tudo...
Deixa os escravos rugirem,
Querendo.
Inutiliza o gesto possuidor das mãos.
Sê a árvore que floresce
Que frutifica
E se dispersa no chão.
Deixa os famintos despojarem-te.
Nos teus ramos serenos
Há florações eternas
E todas as bocas se fartarão.
Literatura Brasileira / Poemas, poesias