"Quando vi pela primeira vez os traços do artista paraibano Shiko, em meados dos anos 2000, em forma de cartazes que se espalhavam pela noite da farra na cena artística recifense imediatamente imaginei ver seu estilo impresso em HQs. Anos depois recebo em casa o Carniça e a Blindagem Mística e me alegro em ver que não apenas o cara é quadrinista mas ainda se interessa por temas tão instigantes da cultura e história nordestina.
Que surpresa boa a primeira imagem ser de um Jeep Willys tão magnificamente desenhado e enquadrado em frente a uma casa de platibanda tipicamente sertaneja e um vira-latas que ali observa aquela icônica máquina. Não precisa ser um vaqueiro com tradicional chapéu de aba curta, gibão e perneira nem precisa ser uma vaca magra com um xique-xique ao fundo: ainda assim estamos no sertão.
O quadrinismo de Shiko é sedutor pois une sofisticação estilística do mais alto nível com um drama real, personagens reais históricos e culturalmente estabelecidos no universo sertanejo brasileiro. A escolha acertada de destacar mulheres do cangaço, são fêmeas onde seu poder não reside exclusivamente na sua beleza evidente mas no fato de que valentia e a resiliência do nordestino não é uma exclusividade masculina, pelo contrário: as personagens de Carniça e a Blindagem Mística são exclusivamente ausentes na covardia, um dado histórico real.
Uma HQ de deslumbrante beleza plástica que representa a dignidade se faz urgente. É arte construída em contraste e contradição. E é nesse atrito onde encontramos a arte que desperta interesse e paixão. É o Coronel Rufino, cruel assassino sanguinário que saboreia o seu delicado rosa pálido e 'interminável' sorvete de morango."
Juliano Dornelles
Cineasta
(Diretor de Bacurau)
HQ, comics, mangá