Todas as crônicas

Todas as crônicas Clarice Lispector


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Todas as crônicas





É difícil definir a crônica. O que importa é que, no Brasil, por força da qualidade de seus praticantes, o gênero assumiu o status de alta literatura, mesmo que inicialmente restrito a jornais e revistas, só chegando depois ao livro. Uma famosa (e bem-humorada) definição mostra como o terreno é amplo: “Se não é aguda, é crônica”, disse Rubem Braga. O formato de conversa com o leitor, a leveza de estilo e temas, a observação da cidade e das pequenas coisas e loisas do cotidiano levaram alguns a classificá-la como uma prosa que se apresenta à vontade, “de bermuda”, como preferem os cariocas, ou “em mangas de camisa”, como dizem os portugueses. Na visão lírica do poeta Manuel Bandeira, os textos funcionariam como “flautas de papel”. O rigor crítico de Antonio Candido chamou a atenção para a “composição solta que se ajusta à sensibilidade de todo o dia”. Os mais radicais podem se valer do que disse Mário de Andrade a respeito do conto; assim, crônica seria tudo aquilo que chamamos de crônica.

E quando é Clarice Lispector quem as escreve? Neste caso especial, é necessário abrir novos escaninhos. No prefácio a Todas as crônicas, editado pela Rocco com organização e posfácio de Pedro Karp Vasquez e pesquisa textual de Larissa Vaz, a escritora Marina Colasanti é certeira ao identificar os temas centrais da Clarice cronista: “a relação mãe-filho, a revolta contra a resignação, a busca do eu, os desvãos dos pensamentos e a transformação dos fatos cotidianos em pura metafísica”.

Os textos publicados no Jornal do Brasil de 1967 a 1973 têm a marca da subjetividade. Logo em sua primeira colaboração dos sábados no “Caderno B”, a autora rompe a tradição da crônica corrida, ocupando a página com vários textos curtos. Um deles anotava: “Olhar-se no espelho e dizer-se deslumbrada: como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência. Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio.” Inaugurava-se ali uma nova da relação do escritor com a mídia impressa. Ao folhetim, à crítica, ao ensaio e à crônica como a conhecíamos até então, a escritora acrescentava uma dimensão pessoal única, cuja riqueza literária até hoje não foi igualada pelas gerações seguintes.

A própria Clarice estranhou seu excesso de sinceridade e, em “Viajando por mar”, indagou a Rubem Braga, considerado por seus pares um mestre indiscutível do texto direto e ao mesmo tempo lírico escrito para jornais: “Rubem, não sou cronista, e o que escrevo está se tornando excessivamente pessoal. O que é que eu faço?” Ouviu dele que, em crônica, não havia como evitar isso. Clarice Lispector, sabiamente, aproveitou o espaço para fazer quase um diário íntimo, falando dos filhos, da casa, das empregadas, do Rio, do seu passado, dos lugares por onde andou e andava, dos amigos, dos bichos, de arte em geral, respondendo (às vezes de forma desaforada) aos leitores que lhe mandavam cartas. Na busca incansável para arrumar assunto, resolveu inserir trechos do romance que produzia na época, Água viva, agradando em cheio. E, numa atitude bem Clarice, cunhou uma frase maravilhosa que punha em dúvida tudo o que estava fazendo: “Vamos falar a verdade: isto aqui não é crônica coisa nenhuma. Isto é apenas”.

Note-se que Clarice não abandona a tática dos cronistas de flanar pela cidade e, a cada passeio, encontrar inspiração. Mas, ao passar a experiência para o papel, a diferença de tratamento é brutal. Em “Perdoando Deus”, a narradora está na Avenida Atlântica, distraída, olhando os edifícios e o mar, “sem pensar em nada”. De repente: “Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus”. Ao saber que no Leme e no Leblon baleias agonizavam encalhadas na praia, ela escreve: “Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.”

Todas as crônicas permite uma apreciação completa da atividade da autora como cronista, apresentando 120 textos inéditos em livro. A obra está dividida em três partes: a primeira corresponde ao período do Jornal do Brasil, contendo material que não havia sido publicado na coletânea A descoberta do mundo; a segunda engloba as colaborações com outros veículos de imprensa; a terceira recupera esparsos do livro Não esquecer.

Crônicas / Literatura Brasileira / Não-ficção

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Se recomendo!? Ela é minha autora preferida da vida, comecei a ler os trabalhos dela
on 15/5/20


Super recomendo, muitos dos trabalhos dessa coletânea eu já conhecia, mas fiquei muito feliz em rever, esse livro será como uma Bíblia para mim, volta e meia vou reler algo nele.... leia mais

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Adriana Scarpin
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12/07/2018 12:27:34
Alê | @alexandrejjr
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31/08/2023 18:49:38
Pri Paiva
aprovou em:
21/08/2018 18:35:04

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