O grande romancista inglês Evelyn Waugh costumava dizer que seus livros buscavam representar a realidade da maneira mais completa possível, o que, para ele, significava apenas uma coisa: "o homem em sua relação com Deus". Nas certezas racionalistas inabaláveis que o século exige a fórceps, há algo de muito subversivo em levar hoje esse propósito adiante e a sério, como faz - de forma admirável - Renato Moraes neste seu romance de estreia.
Nele acompanharemos a história de Ricardo, a partir da morte prematura da noiva, e também os caminhos de Gabriela, ao lado das filhas Simone e Catarina, na tentativa de retomar a vida depois do assassinato do marido num assalto - tudo entre eventos insondáveis que se desenrolam como se concertados não apenas pelas mãos muito hábeis do autor. Porque o tema principal de "Claridade" é mesmo a graça, e as muitas coisas que há entre o céu, a cidade de Campinas e os personagens que se movem por ela - personagens reais como a vida, que nos deixam saudades quando estamos longe, e felizes de verdade por reencontrá-los, ao retomar a leitura.
Renato Moraes conta uma grande história, com leveza, suavidade e a precisão cirúrgica de quem sabe que, se a realidade é misteriosa demais para precisões cirúrgicas, é também ordenada a cada folha caída, cada encontro na rua, cada abertura e cada recusa. No ordinário de vidas simples e eventos aparentemente corriqueiros, "Claridade" abraça todo o extraordinário da existência em telas e lições que, apesar das tragédias do mundo, não são de abismos, mas da luz que inunda quando enfim amanhece.
Rodrigo Duarte Garcia (orelhas do livro).
Romance