A relação entre a arte e o delito é fundamental, como
já demonstrou Georges Bataille em A literatura e o mal
(1957) e como também afirmou Theodor Adorno em Minima
moralia (1955): “Toda obra de arte é um crime não
cometido.” Para descobrir os valores simbólicos de uma
sociedade, é necessário, assim, mapear também os seus
delitos e as suas transgressões. A desobediência às leis, a
partir desse ponto de vista, é um aspecto constitutivo do
desenvolvimento da literatura e das artes, para não falar
da própria cultura.
Na política, o tema do delito é debatido por Sólon, com
suas elegias, e por Ésquilo, Sófocles, Eurípides, de forma
espetacular, no teatro. Os efeitos desses textos são reiteradamente
revisitados na literatura ocidental em todas as
áreas do conhecimento, na jurisprudência, na filosofia, na
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psicanálise. Freud, com sua hipótese do complexo de Édipo,
marcará indelevelmente os estudos sobre a literatura, o
desejo e o castigo advindos das transgressões dos homens
na política, na ética, na religião, na sociedade.
Se os textos de Poe e Conan Doyle, Chandler e Hammett,
as obras das irmãs Brontë, Baudelaire, Blake e Sade, Kafka e
Genet, Lispector e Olivari delinearam a contrapartida da literatura
transgressora, na ficção, Bakhtin, Bataille e Foucault
tornaram-se seus principais filósofos no século 20.
Os protagonistas da ficção de detetive canônica defendem
a lei; os investigadores da ficção hard-boiled agem ao
arrepio dela, ao passo que na literatura e no cinema noir
as personagens já nascem derrotadas, refletindo, cada uma
dessas formas, as condições histórico-sociais da sua produção.
Por sua vez, a arte transgressora investe contra a
ordem em favor da renovação. O horror extremo de alguns
filmes recentes e os falsos antagonismos de certos autores
pós-modernistas parecem indicar que a transgressão
estabeleceu as suas próprias convenções e, assim, caiu em
esgotamento. Na sua contemporânea reinvenção, nesse
sentido, oferecemos, nos textos aqui publicados, uma possibilidade
de discussão transdisciplinar sobre as estratégias
de representação do crime, do delito e da transgressão na
literatura, sempre em diálogo com outras artes, disciplinas,
conhecimentos.
Julio Jeha, Laura Juárez e Lyslei Nascimento
Cinema / Filosofia / Literatura Brasileira