Debaixo desta Terra Vermelha

A temática sobre os subterrâneos de São Borja é sempre fascinante. Imaginário popular ou realidade? O fato é que a questão intriga por mexer com o oculto, com algo que não está à vista, enigmático.
O tema já foi abordado inúmeras vezes por estudiosos que se dedicaram a compilar uma série de narrativas de pessoas comuns que afirmam terem descido a um nível no subsolo e ter visto um longo corredor de pedras no subterrâneo da atual Igreja Matriz de São Borja.
Estes relatos levam às versões de que um túnel conectaria a antiga igreja da redução jesuítica de São Francisco de Borja ao Rio Uruguai num trajeto retilíneo de cerca de 5 Km a Noroeste, ou que conectaria a uma rede de túneis subterrâneos que interligaria os Sete Povos da Banda Oriental do Rio Uruguai por mais de uma centena de quilômetros a Nordeste – ou ainda a existência de ambos.
Abordar o tema no tempo verbal do futuro do pretérito é pertinente aqui: “conectaria”. Isso porque requer uma condicional: para conseguirmos confirmar se esta dúvida amplamente disseminada no imaginário coletivo dos são- borjenses confere, é imprescindível submeter esta dúvida a uma confirmação científica, principalmente por meio de métodos geofísicos e arqueológicos.
É preciso lembrar que por debaixo da área onde hoje se encontra a Igreja e a Praça da Matriz e seu entorno, havia nos séculos XVII e XVIII toda a estrutura de uma redução jesuítica, também com igreja, claustro, pátio das oficinas, cemitério, quinta e uma praça central rodeada por casas de índios, capelas, cabildo, cotiguaçú, além de demais estruturas periféricas no entorno do povoado, como fontes, fornos, olarias, matadouros, plantações e estâncias de criação de gado.
Especificamente onde hoje está a Igreja Matriz, erguida no século XX, houve pelo menos a construção de mais uma igreja no mesmo local, erigida pelos repovoadores no século XIX – há ainda relatos de uma segunda igreja intermediária, elevando para quatro o número de igrejas erigidas no mesmo local.
Em primeiro lugar, é preciso levar-se em consideração que os alicerces dessas antigas construções ainda estão em subsolo e poderiam levar, a primei- ra vista, à interpretação que deu origem a toda uma série de relatos sobre os túneis subterrâneos de São Borja.
Uma outra hipótese a se considerar, e aí é preciso remontar à herança da arquitetura greco-romana – da qual o planejamento urbano das reduções jesuíticas são herdeiras – é a possibilidade da existência de um cripto pórtico abaixo da igreja jesuítica da redução de São Francisco de Borja. Ou seja, de um verdadeiro andar subterrâneo construído na forma de uma galeria abobadada, muito utilizado debaixo de fóruns e basílicas desde a antiguidade clássica na Europa. Sua principal função seria o armazenamento de mantimentos por se- rem espaços secos e abrigados da luz, podendo também ter servido para outros propósitos, uma vez que a redução de São Borja tinha também um caráter de posto de milícia para a Companhia de Jesus e seu próprio porto junto ao Rio Uruguai, devido a seu posicionamento geográfico como redução fronteiriça.
Para chegarmos a uma elucidação sobre o fascinante tema dos túneis subterrâneos de São Borja, prospecções geofísicas e arqueológicas poderiam enfim responder a esta dúvida de forma conclusiva. É mister que um amplo projeto seja executado neste sentido, cujos resultados confirmariam se realmente existiram tais túneis subterrâneos ou outra forma arquitetônica em subsolo.
Movida pelo desejo de averiguar a veracidade dos relatos sobre a existência dos subterrâneos de São Borja, a jornalista Luisa Aranha nos traz um detalhado documentário sobre o tema que aguçará ainda mais a vontade de todos de decifrar este enigma por completo.
Dra. Raquel Machado Rech Arqueóloga

História / Não-ficção