Neste livro, são mostrados tipos humanos que encontramos hoje e que surgiram já nos primeiros dias da colonização - o valentão, urbano ou rural, o cabra de bagaceira, o jagunço, o cangaceiro. Mas o autor não descreve apenas na particularidade o reflexo da violência que há muito tempo se manifesta em nosso país; analisa também o que chama de cangaço meio de vida, cangaço vingança e cangaço refúgio.
''Guerreiros do Sol' constitui o mais abrangente e profundo estudo do cangaceirismo, tema sobre o qual muito já se escreveu mas que só este livro aborda desde uma variedade de ângulos, que vão do seu condicionamento socioeconômico pelo ciclo do gado, à análise do arcaísmo cultural em que seus comportamentos deitam raízes e ao acobertamento ético que habita o cangaceiro a justificar o uso sistemático da violência perante si mesmo e perante a sociedade. Para esta tarefa, Frederico Pernambucano de Mello armou-se com um arsenal de fontes primárias de fazer inveja a qualquer estudioso: a documentação histórica propriamente dita, as coleções de jornais da terra, os depoimentos pessoais, escritos ou orais, e também a poesia sertaneja sabidamente rica.' - Evaldo Cabral de Mello.
******
Duas décadas após uma primeira edição esgotada, o mais requintado e importante livro sobre o poder, a mística e os arredores estéticos do cangaço, "Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste do Brasil", escrito pelo historiador Frederico Pernambucano de Mello, está de volta.
O livro desmonta, com pesquisa de calibre, a imagem de um Lampião romântico ou à Robin Hood, como foi construída pela guerrilha simbólica da literatura de cordel -veículo que ele mesmo escolheu para dar sangue épico à sua vida- e pelo marxismo simplificado e "clicheroso" de alguns historiadores que fizeram do cangaceiro uma resposta armada às injustiças dos coronéis. O poder do gado, da cerca e da casa-grande sertaneja quase sempre abrigaram Virgolino Ferreira (1898-1938) como hóspede de luxo.
No dizer de Evaldo Cabral de Mello, historiador que escreveu as orelhas da nova edição, "Guerreiros" é "o mais abrangente e profundo estudo sobre o cangaceirismo". Lê-se a história contada por Pernambucano de Mello como a sociologia de Gilberto Freyre (1900-1987), sem os ares da "leseira" ou do enfado que costumam acompanhar as obras ditas mais sérias. O próprio Freyre, no prefácio original do livro, explica: "O autor parece seguir lições aprendidas muito mais com romancistas ingleses do que com pesquisadores convencionalmente no seu modo de serem científicos".
O tiro mais certeiro do autor, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife, é a tese do "escudo ético", que mostra como Lampião e muitos outros cangaceiros utilizavam o argumento da vingança para exercer a bandidagem. Como o crime de honra é moralmente bem visto nos sertões, a desculpa servia para encobrir o cangaceirismo como meio de vida. Lampião, lembra o autor, nunca chegou a vingar a morte do pai -o assassinato o teria transformado em um fora-da-lei.
O mais célebre dos cangaceiros amealhou muito ouro. É dele a patente dos primeiros seqüestros que se tem notícia no Brasil, nos anos 20 do século passado. Cobrava caro para devolver as vítimas com vida. Como era leitor de livros e revistas, pode ter copiado o método de bandos estrangeiros.
O "rei vesgo" viveu os seus últimos anos como um burguês tratado a perfume francês, uísque escocês e toda uma sorte de luxos para a caatinga. Esses sinais podem ser vistos no filme "Baile Perfumado" (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, a quem o autor de "Guerreiros" guiou nas pesquisas.
O zelo de Lampião com a indumentária, invenção que o credencia como inventor de moda, é outro aspecto que merece boas linhas. Somente os samurais, costuma dizer, mantinham a mesma preocupação. No prefácio, o professor Gilberto de Mello Kujawski compara os bandoleiros da caatinga aos japoneses descritos por Mishima no seu livro "Sol e Aço". O sol que modela e disciplina; o aço, da espada e do fuzil brilhante, que faz a correspondência entre o espírito e o corpo.
(XICO SÁ)
História do Brasil / Sociologia