Com este ensaio, publicado em 1784 (no Berlinische Monatschrift), de merecida fama e muito bem cinzelado, Kant ingressou
de vez no rol dos que, com maior ou menor pertinência e profundidade (desde Voltaire, J.G. Herder e, mais tarde, G.W.F. Hegel, K.
Marx e muitos outros), reflectiram sobre a história, o seu enigma,
as suas trevas, as suas insinuações e a imprevisibilidade do seu
rumo.
Trata-se, como o próprio autor sugere, de um jogo intelectual,
de uma espécie de "experiência mental ou imaginária"que se vai
desdobrando, não sem algum humor contido da parte de Kant, nas
nove proposições bem entretecidas acerca do mecanismo secreto
e subjacente ao devir da humanidade no seu todo: a natureza, no
seu desígnio oculto, serve-se dos impulsos dos homens, acossados
pela loucura, vaidade e perfídia, vitimas da sua indolência e do
seu egoísmo (individual ou colectivo), para realizar todas as virtualidades e possibilidades da nossa espécie, sem espaço ou tempo
na vida demasiado curta do indivíduo, e que só podem chegar à
maturidade no recinto do género humano na sua totalidade e ao
longo de todas as idades. É uma história de progresso crescente, irrompendo precisamente da característica fundamental do homem,
a sua sociabilidade insociável, o antagonismo das tendências sociais e anti-sociais que nos atravessam e em nós surgem com rostos
sempre diferentes, embora procedentes de uma raiz idêntica, feita
de brutalidade e de rudeza. Estas, no entanto, devido aos perigos
que consigo trazem e à mútua destruição que, sem qualquer travão,
garantiriam, forçam-nos a caminhar para a cultura e a desabrochar
em universalidade sob o reino do direito.
Semelhante antagonismo suscita um aperfeiçoamento jurídico
da humanidade em direcção a uma sociedade civil que administre a
justiça e o relacionamento legal dos Estados entre si, até desembocar, por fim, na criação de uma federação universal e cosmopolita
que assegure a paz perpétua entre as nações.
Filosofia / Política