Infância Retorcida
Recebi uma grata incumbência, a de prefaciar o livro “infância retorcida”, do escritor Airton Souza. Grata, pois é sempre um prazer ler poemas e falar sobre eles. No entanto, este livro me deixou angustiado pelo tamanho da responsabilidade. Falar de poesia não é fácil; para mim, particularmente, falar de poesia, passado e infância, muito menos. Ainda mais em se tratando de uma coletânea de textos tão bem estruturados, tão bem ‘pé-no-chão-apesar-de-falar-de-infância’. É, sem dúvida, uma obra que fala por si só, como nesse trecho “A infância não sabe morrer/é uma multidão infame/perambulando, de face fantasiada/de olhos abertos a mendigar imagens/que surgem repentinas, sem controle”...
A mesma infância que se revela no espelho, quando a memória revive a mãe do poeta, os conselhos, as palavras ditas por olhares, intraduzíveis a quem não fosse íntimo daquele mundo mágico. A infância retratada neste livro, retorcida infância, revela um passado que não passou, pois se reproduz e se transmuta em poesia. A infância-útero que pariu um poeta, de cujas memórias remotas ele traz à luz, por sua vez, novas infâncias que povoarão o mundo:
“De meu íntimo vem um som/aceso, indecoroso como um pássaro/sem as penas necessárias, em nudez/inocente, penujoso”.
Este é, com certeza, um passado retorcido que se projeta ao infinito, pois o tempo desse poeta não morre, renasce a cada dia. Ao leitor sugiro a parte mais sublime desta obra: a leitura, a viagem, a fruição.
Valdeck Almeida de Jesus
Escritor e Jornalista
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