Designar como «essencial» esta colectânea de obras pessoanas pode parecer, à primeira vista, um abuso, já que não se trata de um único volume. Acontece que a multifacetada obra de Pessoa - escrita sob mais de 70 nomes e em três línguas, abrangendo um apreciável número de gêneros, estilos e temas - não tem uma essência una e linear. Ramifica-se ou, como diria o poeta de muitos rostos, pluraliza-se. Se, por «essencial», queremos dizer «indispensável», então os três volumes consagrados à poesia correspondem a esse conceito. Eles contêm toda a grande poesia de Pessoa, quer ortônima (assinada por si próprio) quer heterônima (assinada por «outros eus»), em português e em inglês, bem como os melhores exemplos dos seus versos em francês. [...] Os textos de prosa aqui reunidos, ainda que não sejam representativos da totalidade existente, pretendem ser, mesmo assim, «essenciais» num certo sentido, na medida em que tocam muito de perto o seu autor - ou porque gostou suficientemente deles para os acabar e publicar (Prosa Publicada em Vida - um volume que abrange, aliás, numerosas facetas da sua obra em prosa), ou porque o revelam na sua intimidade (Prosas Íntimas e de Autoconhecimento) e na sua relação com os outros (Cartas). O primeiro volume, O Livro do Desassossego, que em boa verdade poderia ser considerado poesia, mostra Fernando Pessoa na sua faceta mais íntima e também mais universal na sua verdadeira essência e na sua dispersão não menos verdadeira. É o não-livro do não-ser, que existiu como ninguém. A presente obra, com todos os seus limites, procura demonstrar a essencialidade de Fernando Pessoa não só para a literatura do século XX, mas também para a nossa cultura, actual e futura.
Ensaios / Literatura Estrangeira