Cornucópia

A crônica é um gênero literário que existe desde a Antiguidade, e se consolidou no século XIX com a popularização da imprensa. Esse olhar pessoal sobre o cotidiano é delimitado pelo tempo retratado – do grego khrónos –, mas na mesma medida revela sentimentos que transcendem o próprio tempo e compartilham, de forma duradoura, algo sobre a existência humana. A coletânea Cornucópia, da escritora e poeta Ana Valéria Fink, é como o título sugere: um símbolo da fertilidade e da abundância. A fartura de eventos narrados com sua forma peculiar de contar histórias, direta, delicada e humorada, como uma amiga relatando suas impressões do mundo sentada à mesa com uma xícara de café nas mãos, são ativadores de memórias e sensações que leitores descobrirão ter em comum com a autora. Assim, passeamos por suas recordações de referências da escrita, como Clarice Lispector, Ferreira Gullar e Simone de Beauvoir. A autora contempla as sentenças do tempo – em “Meia hora é duas horas” – num movimento para chegar ao seu contrário, ou mesmo as fases da lua e das vidas dos filhos ao crescerem, na crônica “Fases”. Ou ainda as agruras da vida contemporânea e do passar dos anos e dos dias na Bahia, no Rio de Janeiro ou na sua Costa Esmeralda. Sentimentos como o amor, a decepção, o humor e a esperança atravessam sua escrita lapidar, sempre de maneira sutil. Ao terminar a leitura resta-nos a saudade, não a do “nunca mais”, mas a saudade como a definiu Camilo Castelo Branco – citado pela cronista em “Banzo” –, “a saudade pelos vivos é dor suave”. Suave porque sempre poderemos voltar à escrita de Ana Valéria Fink.
[ITAMAR VIEIRA JÚNIOR]

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